terça-feira, 23 de novembro de 2021

Teu cu

O pai, ao ver a multa por infração ao rodízio municipal de veículos, vira-se para o filho de dezenove anos e diz:
Rafael, você saiu com o carro no dia do rodízio, né?
A resposta, livre de qualquer agressividade, foi mais natural que suco verde:
Teu cu que eu saí com o carro no rodízio, pai.
A mãe, que trabalhava no notebook na mesa da sala, gritou:
RAFAEEEEEEL! O que é isso?
Mãe, eu não saí no rodízio, sério! Nem uma vez!
Não é disso que eu estou falando! Isso é jeito de falar com seu pai?
Que jeito?!
Não se faça de besta, Rafael!
Sério, mãe, que que eu falei?
Você falou… Você falou… Wagner, você não fala nada?!
Teu cu. Teu cu, Rafael. Você me falou “teu cu”.
HAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHA. Foi mal, pai. Foi sem querer.
A mãe com olhar severo e penetrante. O pai segurando o riso.
Sério, mãe, eu nem percebi.
Pior ainda, Rafael. Que horror. Sinceramente, que horror.
Foi mal, mãe. Foi “teu cu” no sentido de “nem a pau”.
RAFAEL!!!
Caralho, mãe, “nem a pau” também não pode?!
Nem “caralho”, Rafael.
Foi mal. Foi mal, pai.
A mãe levantou a sobrancelha. Suspirou como só as mães aborrecidas sabem suspirar. Voltou para a planilha de Excel.
Passaram-se vinte minutos. O menino volta, pega a chave do carro na mesa, diz:
Vou de carro até a casa do Cebola, beleza?
E o pai, sem pensar duas vezes, sobe os olhos do jornal.
Nem fodendo que você vai de carro pra Alphaville.
WAAAAAGNER!!!!!!!

Ruth Manus, in Pega lá uma chave de fenda: e outras divagações sobre o amor

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