sexta-feira, 1 de outubro de 2021

Frutos

Temos de observar que mesmo os frutos das coisas que são concebidas conforme a natureza são agradáveis e atraentes. Por exemplo, quando o pão é assado, fendas são abertas na sua superfície. Por um lado, as rachaduras são antagônicas ao objetivo da arte do padeiro. Por outro, são belas de uma forma peculiar e estimulam o apetite.
Os figos abrem quando maduros. As azeitonas adquirem uma beleza ímpar quando estão perto de apodrecer. As espigas de milho curvadas para baixo, as sobrancelhas franzidas de um leão e a espuma que escorre da boca de um javali estão longe de serem consideradas belas frente a uma análise minuciosa. Entretanto, agradam à mente por resultarem de um processo da natureza e por contribuírem para adorná-la.
Ao nutrir sua sensibilidade e uma percepção aprofundada acerca do universo, dificilmente um dos frutos das coisas nele produzidas não parecerá aprazível. Então, contemplará as mandíbulas escancaradas de bestas selvagens com não menos apreço do que as imitações modeladas por pintores e escultores. Estará apto a enxergar certa maturidade e formosura em idosas e idosos. Será capaz de observar, com olhos castos, a amabilidade atraente dos jovens.
Inúmeros frutos se apresentarão. Contudo, agradarão não a qualquer homem, mas sim àquele verdadeiramente familiarizado com a natureza e suas obras.

Marco Aurélio, in Meditações

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