quinta-feira, 5 de agosto de 2021

A injustiça da boa forma

 

Imagem: Depositphotos


Andei pensando outro dia que essa coisa de ficar em forma, além de ser difícil, também é muito injusta. Por exemplo, quando fiz meu mestrado, sacrifiquei noites, perdi festas, surtei, mas... dois anos depois eu tinha um título. Pronto, virei mestre. Mestre para sempre. Agora, no doutorado, o raciocínio é o mesmo: vou me lascar durante três ou quatro anos e serei doutora para sempre. Quase todo esforço costuma ser recompensado dessa forma.
Mas quando o assunto é boa forma, reparem na injustiça, a sina nunca acaba. Podemos decidir que este será o ano em que ficaremos magros e belos: vamos cortar carboidratos, eliminar o álcool e as frituras, comer mais fibra, aumentar a atividade física, fazer musculação. Depois de tanto sacrifício podemos chegar ao final do ano esbeltos e invejáveis. E então? Receberemos um diploma oficial de magros? Um título definitivo de gostosões? Uma credencial dizendo “indivíduo em boa forma” sem prazo de validade? Nada disso. Não receberemos nada e, se vacilarmos, em uma semana já estamos roliços outra vez. É só piscar e a calça já aperta de novo.
Gente, isso não é de Deus. Tem alguma coisa errada na regulamentação desse instituto. E o direito adquirido, como fica?! Isso aí é piada de mau gosto. “Duas castanhas-do-pará no lanche; filé de frango com salada no almoço, gelatina sem açúcar à tarde, sopa SEM BATATA no jantar.” Não, gente, não tenho estrutura. Por uns meses eu aguentaria, desde que viesse com o título eterno de magreza. Mas não! Essa dieta é pra sempre?! Ad aeternum? Acompanhada de corrida na esteira quase todo dia? Tô fora.
Comprometo-me a fazer exercício duas vezes por semana. Ter uma alimentação balanceada. Tentar não beber álcool durante a semana. Colocar os chocolatinhos num armário bem alto. Comprar pão integral, arroz integral, macarrão integral (na hora do leite, esses nutricionistas malandros mudam de ideia). Checar colesterol, triglicérides e glicemia anualmente. Não mais do que isso.
Admiro os comprometidos que decidem ter a vida regrada assim para sempre. Mas sabe? Queijo, né, gente? Pizza. Vinho, cerveja, chocolate quente. Hambúrguer. Lasanha. Azeite. Mortadela. Doce de leite. Polenta frita. É um preço muito alto por uma calça dois números menor. A não ser, como disse, que, depois de um ano de esforço, a calça coubesse para sempre. Aí eu era capaz de topar. Caso contrário, não compactuarei com essa injustiça.

Ruth Manus, in Um dia ainda vamos rir de tudo isso

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