Existem muitos temas que são tidos como
tabus. A vida sexual das pessoas, a vida financeira, os planos de
funeral para o dia em que morrerem. Ninguém toca nesses assuntos en
passant, quando encontram conhecidos na rua, num café ou numa festa
de aniversário. Muitas vezes não tocamos nesses assuntos nem com as
pessoas mais próximas, em tardes ociosas de domingo.
Mas eu não sei bem o que se passa na
cabeça das pessoas que faz com que elas, tranquilamente, como se não
fosse nada, perguntem:
E ENTÃO, MEU QUERIDO?
COMO VAI A SUA TESE?
ou COMO VAI SEU TCC?
ou COMO VAI A SUA MONOGRAFIA?
ou COMO VAI A SUA DISSERTAÇÃO?
Primeiramente: parem.
Segundamente: parem.
Vocês precisam entender que isso é um
legítimo e verdadeiro tabu. Isso é uma questão de foro íntimo,
complexa, secreta, sufocante, angustiante e velada. Isso não é
menos invasivo do que perguntar sobre os problemas gastrointestinais
de ninguém. Certo? Estamos entendidos?
Quando falo com a minha melhor amiga, a
Amanda, eu posso perguntar quase tudo. Quanto ela está ganhando,
como vai o casamento, quando ela vai mudar esse raio de corte de
cabelo que tá uma porcaria, como vai a saúde dos pais, se ela já
experimentou tomar diurético para desinchar o pé dela que parece
uma bisnaga. Pergunto tudo diretamente, sem qualquer tipo de rodeio.
Mas essa semana me flagrei medindo minhas
palavras cuidadosamente – como nunca fiz nesses últimos 15 anos –
para perguntar como vai a dissertação de mestrado dela. Eu estava
manuseando minhas palavras com pinça, escolhendo bem entre usar o
verbo “acelerar” ou “agilizar” porque sei como é a vontade
de postergar a banca para sempre.
Tenho consciência de que se trata de uma
conversa invasiva. Mais invasiva do que a imensa maioria dos
procedimentos ginecológicos ou tratamentos de canal. Por isso eu sei
que só devo perguntar isso para pessoas com quem tenho muita
intimidade e, ainda assim, pensando cinco vezes antes de dizer
qualquer coisa.
Mas aí vem aquele primo que você vê
duas vezes por ano, que ouviu dizer que você faz doutorado e
pergunta, no meio da festa de família – na qual você pretendia
apenas comer e olhar para os porta-retratos –, E A TESE DE
DOUTORADO, JÁ TÁ ACABANDO? e pronto. Seu mundo caiu. Você lembra
da bibliografia, do e-mail do orientador, do capítulo que você não
consegue terminar, dos prazos, do pânico. “Acabando, acabando” a
palavra ecoa na sua cabeça. Acabou a sua festa. Acabou. Mas você
sorri e diz “Tá indo, tá indo…” enquanto morre por dentro.
Primo distante, colega de trabalho,
ex-colega de universidade, amigos dos seus pais, concunhado, marido
da sua amiga, enfim. Sempre haverá quem pergunte numa boa, como quem
fala sobre o tempo, os feriados deste ano, o novo filme do Woody
Allen.
Não é assim que funciona, tá, gente?
Da próxima vez que for perguntar sobre a tese de alguém, imagine-se
perguntando: “E aí, tem ido ao banheiro regularmente?” Se puder
fazer essa pergunta a ela, tudo bem, você tem intimidade para
perguntar da tese. Caso contrário, não. A intenção pode ser
ótima, mas os resultados são devastadores. Nosso emocional não
aguenta. Agradecemos a compreensão e seguimos trabalhando.
Ruth Manus, in Um dia ainda vamos rir de tudo isso
Nenhum comentário:
Postar um comentário