quinta-feira, 20 de maio de 2021

Conversa

 


No meu tempo de estudante (lá pela Idade Média), uma das artes que tínhamos que dominar era a arte de conversar porteiro de baile. Os bailes eram nos clubes, geralmente com convites, que de convites não tinham nada, já que eram pagos, e quem tinha dinheiro? O jeito era enrolar o porteiro. A esta cena eu assisti:
Tenho que entrar para avisar a minha irmã. Nossa mãe está passando mal.
Eu mando chamar.
Só uma entrada rápida. Se não voltar em dois minutos o senhor pode mandar me buscar...
Só entra com convite.
Eu deixo este chaveiro com o senhor. É de estimação. Se eu não voltar em cinco minutos...
Sem convite não entra.
Eu perdi o meu. Juro!
Sem convite não en...
Está bem, está bem. Tome o convite.
Ele tinha o convite o tempo todo, no bolso do casaco. Depois, reunido com a turma, explicaria:
Não insisti porque tinha muita gente atrás e eu estava bloqueando o caminho. Mais um pouco e ele cedia. Porteiro comigo não tem moleza.
Não era uma questão de ter ou não ter convite. Era uma questão de princípios. Onde estava a graça de entrar com convite, como todo mundo?

Luís Fernando Veríssimo, in O santinho

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