O irmão mais velho aprendeu cedo a
deixar-se conduzir pelo caminhão do pai. Sem carteira de motorista,
escolhia as estradas secundárias. Viajava entre buracos e tropeços,
entre caminhos de depressões. Por descuidos, ultrapassava quando a
faixa era contínua. Identificava a diferença entre a vela de Nossa
Senhora do Perpétuo Socorro e as velas do motor. Devia sentir um
desejo imenso de degustar o vidro do para-brisas. Por vezes, ele me
convidava para tomar banho juntos, na bica do quintal, debaixo da
água que chegava das montanhas. Nus, arrepiados pela água gelada,
eu contemplava sua presença de homem e me acusava como apenas um
menino, indefeso, cheio de medo do amor e do tomate.
Sete. A irmã mais velha passou a bordar
lençóis, fronhas, toalhas. Todo enxoval construído em ponto de
cruz. Só tramava a primeira letra de seu nome. O noivo andava
escondido em seu desejo. Não dar palavras ao desejo é ocultá-lo na
solidão. No segundo tempo, e bem depois, outra letra veio abraçar o
seu nome. Casou. Foi morar longe e nunca mais bordou. Ventilavam
notícias de seu marido, agora, sua cruz. Desde sempre suspeitei —
por recusar a certeza — que ela casara fugindo do tomate, sem
considerar o amor. Ah! Vou esconder meu amor, para sempre — eu
suspeitava.
Ela esfregava a roupa na pedra do tanque.
Sua raiva arrancava as manchas de terra, as nódoas de bananeira, as
sujeiras de carvão. Não cantava. Lastimava pela quantidade de
panos, pelo gasto com o sabão, pelo desperdício das águas.
Ensaboava com tamanho empenho e músculo, se esquecendo de reparar
nas espumas, semelhantes aos suspiros da mãe, assados em forno
brando. Seus olhos só viam o sujo. Não aprendeu — com a mulher da
sombrinha vermelha — a ler na cartilha das abelhas.
Seu remédio era o canto. Recostada na
cabeceira da cama, debaixo do crucifixo, a mãe exorcizava a dor. E
as canções de despedidas, de amores perdidos, de momentos partidos,
preenchiam o silêncio. E mudos, com os pensamentos encharcados de
perguntas, os filhos escutavam os gemidos em forma de música e
aprendiam a cantar. O pai, atracado na porta, sem âncoras, espiava o
horizonte e respirava o cheiro do álcool, agora desinfetando a pele
rugosa para doloridas injeções.
Bartolomeu Campos de Queirós, in Vermelho Amargo
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