Libertar-se da ordem e de suas inseparáveis extravagâncias. Como dói a certeza das coisas incertas; como machuca a validade das coisas inválidas; como entedia a urgência do que não nos interessa; como fere (corpo-alma, verbo-palavra) a utilidade do que é inútil; como mente a lógica fundante das questões periféricas; como são porosas as pessoas que se dizem essenciais; como reluzem aqueles que, ocos por dentro, desfilam suas mediocridades a torto e a direito; como são insignificantes os amores que se bastam a si mesmos; como são vazios os credos que dinamitam a solidão alheia; como é desértica a fé que se reduz ao tilintar das moedas; como é vã a pressa dos impacientes e a indulgência dos lerdos. Libertar-se dos cataclismos da ordem com suas flechas certeiras e suas extravagantes desculpas – mire, veja, repare, é tudo para o seu bem. Cruz credo! Arrenegue a bondade exasperante dos certinhos, a orientação miraculosa das bem-intencionadas criaturas plantonistas de alguma ordem. Poder a quem serve, servo servil de olhar medroso. Como é doloroso o poder que se locupleta em infinitas trapaças e, de soslaio, medra penosas condições ao povo; como é ridícula (coitada das cartas) a imprestabilidade do público a serviço do privado: a cumplicidade dos néscios e a boçalidade dos poderosos fazem a festa aqui e alhures, o resto que se dane ou se preferir entre noutra história. Da ordem e pela desordem do olhar, o caos delineia, em timbre impróprio, o seu caminho em linha torta, feito verso, poesia que se entrega sem pudores a um continuum poético de reiteradas reentrâncias, a despeito da mera ordem do dizer, segue.
R. Leontino Filho, in As ruas arejadas do verbo impuro
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