domingo, 21 de fevereiro de 2021

De uma conferência no Texas

          Quando fui convidada, com outros sul-americanos, a dar uma conferência na Universidade do Texas, escrevia-a como pude, explicando antes que eu não fora a pessoa mais indicada para a tarefa de falar sobre literatura:
... além do fato de eu não ter tendência para a erudição e para o paciente trabalho da análise literária e da observação específica – acontece que, por das experiências que se tentaram, quer no Brasil como fora do Brasil; nunca tive, enfim, o que se chama verdadeiramente de vida intelectual. Pior ainda: embora sem essa vida intelectual, eu pelo menos poderia ter tido o hábito ou gosto de pensar sobre o fenômeno literário, mas também isso não fez parte de meu caminho. Apesar de ocupada com escrever desde que me conheço, infelizmente faltou-me também encarar a literatura de fora para dentro, isto é, como uma abstração. Literatura para mim é o modo como os outros chamam o que nós fazemos. E pensar agora em termos de literatura está sendo para mim uma experiência nova, não sei ainda se proveitosa. De início pareceu-me desagradável: seria, por assim dizer, como uma pessoa referir-se a si própria como sendo Antônio ou Maria. Depois a experiência revelou-se menos má: chamar-se a si mesmo pelo nome que os outros nos dão soa como uma convocação de alistamento. Do momento em que eu mesma me chamei, senti-me com algum encanto inesperadamente alistada. Alistada, sim, mas bastante confusa.”
Não pude deixar de usar essa oportunidade de escrever a breve conferência para uma experiência pessoal que me faltava, além de todas as outras. O que, espero, não chegará a prejudicar o que tenho a dizer sobre literatura brasileira. Nada impede, suponho, que esta pequena tentativa de exposição me dê proveito e gosto: alguém pelo menos terá que se beneficiar. Lamento, já que me falta a autoridade necessária para mais do que tentar analisar ligeiramente alguns escritores brasileiros, lamento mas acho que, fora as informações, a vantagem será quase que exclusivamente minha. O que estarei fazendo nessa rápida conferência é, além do lado informativo, o que se chama de ‘abrir uma porta aberta’. Só que para mim era fechada...”

Clarice Lispector, in Todas as crônicas

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