Quando fui convidada, com outros
sul-americanos, a dar uma conferência na Universidade do Texas,
escrevia-a como pude, explicando antes que eu não fora a pessoa mais
indicada para a tarefa de falar sobre literatura:
“... além do fato de eu não ter
tendência para a erudição e para o paciente trabalho da análise
literária e da observação específica – acontece que, por das
experiências que se tentaram, quer no Brasil como fora do Brasil;
nunca tive, enfim, o que se chama verdadeiramente de vida
intelectual. Pior ainda: embora sem essa vida intelectual, eu pelo
menos poderia ter tido o hábito ou gosto de pensar sobre o fenômeno
literário, mas também isso não fez parte de meu caminho. Apesar de
ocupada com escrever desde que me conheço, infelizmente faltou-me
também encarar a literatura de fora para dentro, isto é, como uma
abstração. Literatura para mim é o modo como os outros chamam o
que nós fazemos. E pensar agora em termos de literatura está sendo
para mim uma experiência nova, não sei ainda se proveitosa. De
início pareceu-me desagradável: seria, por assim dizer, como uma
pessoa referir-se a si própria como sendo Antônio ou Maria. Depois
a experiência revelou-se menos má: chamar-se a si mesmo pelo nome
que os outros nos dão soa como uma convocação de alistamento. Do
momento em que eu mesma me chamei, senti-me com algum encanto
inesperadamente alistada. Alistada, sim, mas bastante confusa.”
“Não pude deixar de usar essa
oportunidade de escrever a breve conferência para uma experiência
pessoal que me faltava, além de todas as outras. O que, espero, não
chegará a prejudicar o que tenho a dizer sobre literatura
brasileira. Nada impede, suponho, que esta pequena tentativa de
exposição me dê proveito e gosto: alguém pelo menos terá que se
beneficiar. Lamento, já que me falta a autoridade necessária para
mais do que tentar analisar ligeiramente alguns escritores
brasileiros, lamento mas acho que, fora as informações, a vantagem
será quase que exclusivamente minha. O que estarei fazendo nessa
rápida conferência é, além do lado informativo, o que se chama de
‘abrir uma porta aberta’. Só que para mim era fechada...”
Clarice Lispector, in Todas as crônicas
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