Voltar à casa paterna depois de vinte
anos de ausência é coisa comovedora, e Fábio tinha vontade de
experimentar esta sensação. Infelizmente não chegaria a senti-la,
pois seu destino era voltar à casa da família todos os dias, após
o trabalho, e já tinha horror a essa obrigação.
Tirar férias de trinta dias para
esquecer um pouco o ambiente doméstico e redescobri-lo como novidade
não adiantava. Fábio encontrava de volta as mesmas paredes, o mesmo
bule, o mesmo periquito. E não notava a sutil, incessante mudança
das coisas, que se opera em todo organismo ou habitação.
Nesta rotina decorreram os vinte anos que
ele imaginava serem o prazo ideal para a perfeita volta à casa
paterna. Tudo continuava aparentemente na mesma, a seus olhos que não
sabiam ver o invisível, pois tudo era profundamente dessemelhante do
que fora, só que Fábio não reparava. O próprio periquito morrera,
estava embalsamado. Mudara o papel de parede, a louça fora
substituída, o pai de Fábio também morrera, e a viúva casara
outra vez. Voltando todos os dias à casa, ele não sentira a
transformação. Foi preciso que o padrasto o convidasse a mudar de
domicílio, para ele experimentar uma sensação profunda. A sensação
de não voltar à casa paterna.
Carlos Drummond de Andrade, in Contos plausíveis
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