sábado, 23 de janeiro de 2021

Tom Jobim

 
        
          Sempre amei o Tom Jobim. Seu rosto, sua voz e música me fazem sentir mansidão, amor manso e uma pitada de tristeza. Quando ele morreu fiz-lhe uma pequena homenagem, uma brincadeira, usando versos de Casimiro de Abreu que aprendi na escola. O que eu fiz foi dar-lhes um final inesperado. Foi assim: “Eu me lembro, eu me lembro. Era pequeno e brincava na praia. O mar bramia. E erguendo o dorso altivo sacudia a branca espuma para o céu sereno. E eu disse à minha mãe naquele instante: ‘Que dura orquestra! Que furor insano! Que pode haver maior que o oceano?’ Minha mãe a sorrir olhou para os céus e respondeu: ‘O piano’...”
A Sônia Braga, por ocasião dos sessenta anos do Tom, disse que ele era o homem que toda mulher desejaria, porque ele era masculino e feminino ao mesmo tempo. Mas agora o meu amor cresceu. Fiquei sabendo da religião do Tom... Alguém, dentre os meus leitores, sabe quais eram os deuses dele? Uma amiga me contou. Enviou-me isso que o Tom disse: “Toda vez que uma árvore é cortada aqui na Terra, eu acredito que ela cresça outra vez em outro lugar – em algum outro mundo. Então, quando eu morrer, este é o lugar para onde quero ir. Onde as florestas vivam em paz”. Os deuses do Tom são árvores. Na religião do Tom, cortar uma árvore é pecado mortal.
Estou de acordo. Faria até uma pequena mudança no prólogo do evangelho de João: “E o Verbo se fez árvore”... Tenho-as por seres muito mais evoluídos que os hominídeos. Proponho que se criem adesivos a serem colados nos carros: “As árvores são fiéis”. Estão sempre a nossa espera, no mesmo lugar, tranquilas, abrigam os pássaros, as formigas, as joaninhas e todo tipo de coisa viva. Não falam. Moram no silêncio. E nunca se vingam. “Sem linguagem, sem fala, ouvem-se as suas vozes...” (Salmo 19).
Quando se compara as árvores com os hominídeos aparece o horror do que somos: vingativos, invejosos, inconfiáveis, mentirosos. E as árvores acrescentariam: e têm machados e serras nas suas mãos... Sabendo da nossa maldade, os pássaros que se abrigam nas árvores fogem de nós. Bachelard nos definiu como os seres que perderam a confiança dos pássaros...
Toda floresta é uma catedral. O Alberto Caeiro se juntaria ao Tom: “Sejamos simples e calmos como os regatos e as árvores, e Deus amar-nos-á fazendo de nós belos como as árvores e os regatos e dar-nos-á verdor na sua primavera e um rio aonde ir ter quando acabemos...”.

Rubem Alves, in Do universo à jabuticaba

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