quarta-feira, 16 de dezembro de 2020

A diferença entre ter uma vida e ter um lifestyle

          Às vezes eu olho para algumas pessoas e, a princípio, fico maravilhada. A combinação da roupa, o cabelo, os acessórios, que gente fantástica. Por que eu nunca fico assim, por mais que eu me arrume?
Vejo aquelas pessoas que comem umas coisas estranhas. Posta de enguia com redução de balsâmico. Barra de proteína importada da Holanda. Pudim de chia com cranberry e physalis. Postam fotos fantásticas no Instagram. Fico olhando, me achando muito ignorante mesmo.
Reparo que certas pessoas parecem fotos de Instagram na vida real. Elas estão sempre na posição certa, com a luz certa, com a roupa certa e a comida certa na hora certa. Elas fazem tudo tão aparentemente certo. Malham às 6 da manhã. Nunca estão em casa no sábado à noite. Pedalam no domingo. Bebem bebidas bonitas.
É um tipo novo: as “pessoas lifestyle”. Tudo nelas é digno de um post em redes sociais. Da hora em que acordam até a hora em que dormem. E, se bobear, alguém ainda os fotografa dormindo serenamente.
Mas eu… Eu não.
Eu costumo estar atrasada. E carrego um monte de tralha. (Eles nunca carregam tralha.) Minhas roupas não são propriamente cafonas, mas, na dúvida, eu aposto em tudo preto, porque nunca saberei harmonizar estampas.
Eu acordo com o cabelo amassado. Eu como pão com manteiga. Eu almocei rolo de carne com purê. Eu prendo o cabelo para poder lavar só à noite. Eu não vou à academia tanto quanto deveria. E, quando vou, não posto foto. Sábado à noite eu às vezes estou de pijama. Às vezes estou na minha avó. Às vezes estou estudando. Às vezes estou embriagada e nenhuma foto sai boa.
Tem algo de muito estranho num mundo no qual a gente se sente estranho por ser normal.
Ser uma pessoa impecável, um post na vida real, é uma escolha. Ser uma pessoa lifestyle, que não molha o cabelo na piscina para divar nas fotos, que acorda uma hora mais cedo para escolher a roupa, que come o que é mais fotogênico e não o que é mais gostoso, que checa a cada cinco minutos se a aparência está ideal, pode ser interessante para alguns. Não para mim.
Eu não tenho tempo para isso. Na verdade, nem tempo nem interesse. Eu tenho que guardar as roupas que ficaram em cima da cama. Tenho que passar no banco. Pode ser que eu pise num chiclete. Que entre um cisco no meu olho. Que uma semente do kiwi fique entre meus dentes.
Não, eu nunca serei digna de um estilo de vida a ser compartilhado. Não nasci para ter lifestyle. Eu nasci para sentir o vento bater no rosto sem me preocupar se o cabelo vai bagunçar. Nasci para deitar na grama sem me preocupar se a roupa é clara. Nasci para chorar fora de hora e ficar com a cara inchada. Nasci para chorar de rir. Para suar. Para lavar louça. Para trabalhar até tarde. Para regar minhas plantas. Para colocar pijama, requentar o jantar de ontem e abraçar quem eu amo. E isso é o que chamam de vida, e não o tão cobiçado lifestyle.

Ruth Manus, in Um dia inda vamos rir de tudo isso

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