sábado, 13 de junho de 2020

Historinha para duas Maracas e um Bongô


Valtércio adorava bolero. Acordava com El Reloj e ía dormir ao som de Noche de Ronda. Nos fins de semana, em Saquarema, compunha um bolero interminável. Resmungava perfídias e palavrões, e não conseguia bolar um fecho de ouro. Ficava desesperado e botava a culpa na Zuleica. Mulher serena, dedicadíssima ao lar, Zuleica, na opinião de Valtércio, não dava samba – ou melhor, bolero.
Bem que Valtércio tentava criar caso:
Hoje, na praia, você não tirava o olho de um rapaz de sunga amarela. Tava admirando o Trio Los Panchos dele?
Eu, Tezinho? Eu só tenho olhos pra você.
Grrr. I only have eyes for you não é bolero...
O quê?
Nada, esquece.
Sem inspiração, Valtércio esticava o bolero. Ravel babaria de inveja. Empacou numa rima rica pro “Mirar”. Depois de um churrasco na casa dos compadres, Valtércio, meio pinguço, apelou pro melodrama em portunhol:
Zuleica...
Quié, Tezinho?
Não me chama de Tezinho, porra! Tezinho não dá bolero! Nem música sertaneja güenta um Tezinho, Zuca.
E Zuca? Zuca dá bolero? Você imagina um mexicano de sombrero e bigodão chamando a mulher de Zuca?
Bah, Zuca!
Bazuca é tua mãe!
Pelo amor de Deus, atiende-me!
Tu não é telefone.
Yo necessito hablar-te!
Fala feito gente!
Algo que quiçá no esperes, doloroso talvez...
Tá com hemorroida?
Grrr, escucha-me!
Oh, Deus, como eu sou infeliz!
Isso é samba-canção, porra!
Não grita comigo, Tezinho!
Grrr, assim o farei. Nosotros...
Eu sei que é refresco.
Refresco? Que refresco?
No dos outros é refresco. Não é isso que você quis dizer?
Isso é marchinha de carnaval, porra, não é bolero.
Tem dó de mim, porque estou triste assim.
Não venha com choro!
Por que tanta judiação?
Ai, meu saco, agora é baião!
A gente somos inútil.
Olha, se apelar pro rock feito o Medina, eu cometo uma loucura! Por favor, Zuca, devemos separar-nos.
?
No es falta de carino...
Vai ver que é, vai ver que é.
Outra marchinha e eu te parto os corne!
A vespa da intriga originou outra briga.
Engole a seresta! Engole a seresta!
Que será de mim?
Sempre a mesma cantiga... Você não entende que faço isso en nombre deste amor y por tu bien?
E no ABC do santeiro, não vai nada?
Vê lá como fala, sua vaca!
Hipócrita!
Graças a Deus! Um bolero!
Tu é um garganta profunda!
Hein? Boa ideia pro final, Zuca! En tu garganta profunda, jorro poderoso como el mar! Achei! Achei rima-rica para mirar: el mar! Que tal? El Mar...
Ah, não enche!
Valtércio quebrou o violão na boca de Zuleica.
Horas mais tarde desabafava com o delegado de plantão:
– “Não enche” é coisa que se peça ao mar, doutor?!?
Aldir Blanc, in Brasil passado a sujo

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