John
era o cerebral, Paul era o certinho, Ringo era o engraçado, George
era o místico. Você imaginaria que quatro moços do mesmo lugar,
com a mesma origem social e, afinal, com gostos musicais tão
parecidos que tinham se juntado numa banda, não poderiam ser muito
diferentes. Mas o sucesso dos Beatles talvez se devesse a essa
diferença. A banda representava uma coisa — um arquétipo, os
anseios e as necessidades de uma época —, e cada um dos seus
membros representava outra. E cada um foi ser a sua outra coisa. John
o guru vanguardeiro e, no fim, trágico, Paul o aristocrata
semicareta, Ringo a personalidade internacional e George o que mesmo?
Confesso que não acompanhei o envelhecimento dos Beatles com muita
atenção, principalmente depois que o John parou de envelhecer. As
pessoas e as coisas que têm um significado muito forte em certas
fases de nossas vidas só existem depois para lembrar como tudo
passa. Sobrevivem como grotescos: são a coisa e a sua lembrança, a
pessoa e o seu fantasma, ao mesmo tempo. George, pelo pouco que sei,
continuou o mais sério e introvertido dos Beatles, inclusive na sua
música. Também parou de envelhecer. No fim sobraram os Beatles mais
superficiais, as duas partes dos Beatles que significavam menos. O
que também deve significar alguma coisa.
Luís
Fernando Veríssimo, in Banquete com os deuses
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