Diadorim
também, que dos claros rumos me dividia. Vinha a boa vingança,
alegrias dele, se calando. Vingar, digo ao senhor! é lamber, frio, o
que outro cozinhou quente demais. O demônio diz mil. Esse! Vige mas
não rege... Qual é o caminho certo da gente? Nem para a frente nem
para trás! só para cima. Ou parar curto quieto. Feito os bichos
fazem. Os bichos estão só é muito esperando? Mas, quem é que sabe
como? Viver... O senhor já sabe! viver é etcétera... Diadorim
alegre, e eu não. Transato no meio da lua. Eu peguei aquela
escuridão. E, de manhã, os pássaros, que bem-me-viam todo tal
tempo. Gostava de Diadorim, dum jeito condenado; nem pensava mais que
gostava, mas aí sabia que já gostava em sempre. Oi, suindara! ―
linda cor...
Dando
o dia, de repente, Zé Bebelo determinou que tudo e tudo fosse
pronto, para uma remarcha em exercícios, como geral. Só por festa.
Ao que os burrinhos comiam amadrinhados, em bom pasto! ―
Menininhos, responsabilidade de cangalhas em vocês, carregando a
nossa munição! ― Zé Bebelo mandou. Mas montado, declarou! ―
Meu nome dora por diante vai ser ah-oh-ah o de Zé Bebelo Vaz
Ramiro! Como confiança só tenho em vocês, companheiros, meus
amigos! zé-bebelos! A vez chegou! vamos em guerra. Vamos,
vamos, rebentar com aquela cambada de patifes!... Saímos, solertes
entes.
Para
isso, a lua não era boa. Quem põe praça de cavalhadas, por
desbarranco de estradas lamentas, desmancho empapado de chão, a
chuva ainda enxaguando? Convinha esperar regras dágua. ― O Rio
Paracatú está cheio... alguém disse. Mas Zé Bebelo atalhou! ― O
São Francisso é maior... Com ele tudo era assim, extravagável; e
não queria conversas de cutilquê. Rompemos.
Melava
de chover baixo, mimelava. Até o derradeiro do momento, parecia que
íamos atravessar o Paracatú. Não atravessamos. Tudo aquele homem
retinha estudado. Daí, distribuiu as patrulhas. O drongo dele,
viemos, pela beira, sempre o Paracatú à mão esquerda. Trovejou, de
perturbar. Ele disse: ― Melhor, dou surpresa... Só uma boa
surpresa é que rende. Quero é atacar! A gente ia para o
Burití-Pintado. A lá, consta de dez léguas, doze. ― Na hora,
cada um deve de ver só um algum judas de cada vez, mirar bem e
atirar. O resto maior é com Deus... ― já vai que falava. ― Para
um trabalho que se quer, sempre a ferramenta se tem. Só com estes
cavalos, só à ligeireza, de lugar para lugar, para a frente e para
trás. Sei, mas o principal dos combates vamos dar é bem a pé... Na
beira do rio Soninho, descansamos. Animais de carga, a ponta de
mulas, ficaram botados escondidos, numa bocâina na balça. Só três
homens tomavam conta. ― Eu é que escolho a hora e o lugar de
investir... ― Zé Bebelo disse. E, num lugar de remanso, passamos o
rio Soninho, no escuro, sem ensolvar, bala em boca.
De
manhã, de três lados, demos fogo.
Aí
Zé Bebelo tinha meditado tudo como um ato, de desenho. Primeiro,
João Concliz avançou, com seus quinze, iam fazendo de conta que
desprevenidos. Quando os outros vieram, nós todos já estávamos bem
amoitados, em pontos bons. Duma banda, então, o Fafafa recruzou,
seus cavaleiros: que estavam muito juntos, embolados, do modo por que
um bando de cavaleiros ou cavalos dá ar de ser muito maior do que no
real é. Todos cavalos ruços ou baios ― cor clara também aumenta
muito a visão do tamanho deles. Ah, e gritavam. Assaz os judas
atiravam mal, discordados, nadinha nem. Aí, de poleiro pego prévio,
abrimos nossa calamidade neles. Pessoal do Hermógenes... Não se
disse guavái! Supetume! Só bala de aço. ― Dou duelo!... ― Ei,
tibes... Só o quanto de se quebrar galho e rasgar roupagem. Um judas
correu errado, do lado onde o Jiribibe estava! triste daquele. ―
Ouh! ― foi o que ele fez de contrição perfeita. Outro levantou o
corpo um pouco demais. ― Tu! Tu pensa que tem Deus-e-meio?! ― Zé
Bebelo disse, depois de derrubar o tal, com um tiro de nhambú,
baixo. Outro fugia esperto. ― Tem talento nos pés... Os que
enviei, deixei de numerar, por causa de caridade. Ai deles.Vitória,
é isto. Ou o senhor pensa que é em alegre mal, feito numa caçada?
Descansar?
Quem disse, não foi ouvido. ― Vou lá deixar essa cambada birbar
por aí em sossego?! Bis, minha gente!Vamos neles! ― Zé Bebelo se
frigia. Mas o próprio pessoal de João Concliz tinha segurado mão
nos cavalos daqueles. ― Toquemos na mão do norte! lá a cara do
chão é minha mais... Não, o caminho era da banda contrária.
Tínhamos de cair em riba do grosso da judadas. Por resfriados e
atalhos, mesmo com aquela cavalhada adestra, tocamos, tocamos.
Estrada capaz de quatro, lado a lado. No Oi-Mãe. Lá tem um lajeiro
― largo! onde grandes pedras do fundo do chão vêm à flor.
Chegamos de sobremão, vagarosinho. Zé Bebelo recomendava, feito
rondando quarto de doente. Ele cheirava até o ar. Sonso parecia um
gato. Se vendo que, no inteiro mesmo de sua cabeça, ele antes tudo
traçava e guerreava. Seja por um exemplo! havia uma cava grande, o
inimigo estava emboscado dos dois lados, nos socavões, nas paredes.
Como era que Zé Bebelo já sabia? Orçando longe volta, João
Concliz levou seus homens muito adiante de lá, na borda do campo, de
recacha. Dado tempo, então, nosso pelotão rastejou para os altos,
até chega estávamos por cima dos beiços da cava. Ah e aí o Fafafa
veio vindo, descuidado à mostra, com seus cavaleiros ― surgiam
inocentemente, feito veados para se matar... Mas ― hã! ― então
por de riba da cava desfechamos demos urros e o rifleio,
trans-cruzando nos inferiores: ― Lá vai obra!... Hê-hê!
Deu de abêlhas de pau oco: os das socavas entornaram o sangue-frio,
demais se assustaram, correndo em fuga maior debaixo de tiros,
xingos, às pragas. João Concliz, pois é, o senhor sabe... Urubús
puderam voar cererém ― uns urubús declarados.
Mas
daí voltamos, desatravessando outra vez o Soninho, até onde estava
a nossa mulada, com munição e o mais. Mesmo viemos negaceando de
recuar. Assim era pena, mas carecíamos de flautear desse jeito,
sustância nossa não dava para se acabar com aqueles judas de uma
vez. Sempre, sempre, para enganar no que vissem, Zé Bebelo variava
de se viajar uma hora quase todos juntos, outra hora despedidos
espalhados. Ainda, por suma vantagem disso, demos um tiroteio ganho,
na fazenda São Serafim, dos diabos!
Rumo
a rumo de lá, mas muito para baixo, é um lugar. Tem uma
encruzilhada. Estradas vão para as Veredas Tortas ― veredas
mortas. Eu disse, o senhor não ouviu. Nem torne a falar nesse nome,
não. E o que ao senhor lhe peço. Lugar não onde. Lugares assim são
simples ― dão nenhum aviso. Agora: quando passei por lá, minha
mãe não tinha rezado ― por mim naquele momento?
Guimarães
Rosa, in Grande sertão: veredas
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