Demos
no Rio, passamos. E, aí, a saudade de Diadorim voltou em mim, depois
de tanto tempo, me custando seiscentos já andava, acoroçoado, de
afogo de chegar, chegar, e perto estar. Cavalo que ama o dono, até
respira do mesmo jeito. Bela é a lua, lualã, que torna a se sair
das nuvens, mais redondada recortada. Viemos pelo Urucúia. Rio meu
de amor é o Urucúia. O chapadão ― onde tanto boi berra. Daí, os
gerais, com o capim verdeado. Ali é que vaqueiro brama, com suas
boiadas espatifadas. Ar que dá açôite de movimento, o
tempo-das-águas de chegada, trovoada trovoando. Vaqueiros todos
vaquejando. O gado esbravaçava. A mal que as notícias referiam
demais a cambada dos Judas, aumentável, a corja! ― A tantos
quantos? ― eu pondo meu perguntar. ― Os muitos! Uma monarquia
deles... ― os vaqueiros respondendo.
Mas
Medeiro Vaz não se achava, os nossos, deles ninguém não sabia bem.
Tocamos, fim que o mundo tivesse. Só deerrávamos. Assim como o
senhor, que quer tirar é instantâneo das coisas, aproximar a
natureza. Estou entendido. Esbarramos num varjeado, esconso lugar,
por entre o da-Garapa e o da-Jibóia, ali tem três lagoas numa, com
quatro cores: se diz que a água é venenosa. E isso de que me serve?
Agua, águas. O senhor verá um ribeirão, que verte no Canabrava ―
o que verte no Taboca, que verte no Rio Preto, o primeiro Preto do
Rio Paracatú ― pois a daquele é sal só, vige salgada grossa,
azula muito: quem conhece fala que é a do mar, descritamente; nem
boi não gosta, não traga, eh não. E tanta explicação dou, porque
muito ribeirão e vereda, nos contornados por aí, redobra nome.
Quando um ainda não aprendeu, se atrapalha, faz raiva. Só Preto,
já molhei mão nuns dez. Verde, uns dez. Do Pacarí,
uns cinco. Da Ponte, muitos. Do Boi, ou da Vaca,
também. E uns sete por nome de Formoso. São Pedro,
Tamboril, Santa Catarina, uma porção. O sertão é do tamanho
do mundo.
Agora,
por aqui, o senhor já viu! Rio é só o São Francisco, o Rio
do Chico. O resto pequeno é vereda. E algum ribeirão. E
agora me lembro! no Ribeirão Entre-Ribeiros, o senhor vá ver a
fazenda velha, onde tinha um cómodo quase do tamanho da casa, por
debaixo dela, socavado no antro do chão ― lá judiaram com
escravos e pessoas, até aos pouquinhos matar... Mas, para não
mentir, lhe digo! eu nisso não acredito. Reconditório de se ocultar
ouro, tesouro e armas, munição, ou dinheiro falso moedado, isto
sim. O senhor deve de ficar prevenido! esse povo diverte por demais
com a baboseira, dum traque de jumento formam tufão de ventania. Por
gosto de rebuliço. Querem-porque-querem inventar maravilhas
glorionhas, depois eles mesmos acabam temendo e crendo. Parece que
todo o mundo carece disso. Eu acho, que.
Assim,
olhe! tem um marimbú ― um brejo matador, no Riacho Ciz ― lá se
afundou uma boiada quase inteira, que apodreceu; em noites, depois,
deu para se ver, deitado a fora, se deslambendo em vento, do cafôfo,
e perseguindo tudo, um milhão de lavareda azul, de jãdelãfo,
fogo-fá. Gente que não sabia, avistaram, e endoideceram de correr
fuga. Pois essa estória foi espalhada por toda a parte, viajou mais,
se duvidar, do que eu ou o senhor, falavam que era sinal de castigo,
que o mundo ia se acabar naquele ponto, causa de, em épocas, terem
castrado um padre, ali perto umas vinte léguas, por via do padre não
ter consentido de casar um filho com sua própria mãe. A que, até,
cantigas rimaram! do Fogo-Azul-do-Fim-do-Mundo. Hê, hê?...
Agora,
a forca, eu vi ― forca moderna, esquadriada, arvorada bem erguida
no elevado, em madeira de boa lei, parda! sucupira. Ela foi num
morrote, depois do São Simão do Bá, perto da banda da mão-direita
do Pripitinga. A estúrdia forca de enforcar, construída aprovada
ali particularmente, porque não tinham recurso de cadeia, e pajear
criminoso por viagens era dificultoso, tirava as pessoas de seus
serviços. Aí, então, usavam. As vezes, da redondeza, vinham até
trazendo o condenado, a cavalo, para a forca, pública. Só que um
pobre veio morar próximo, quase debaixo dela, cobrava sua esmola, em
cada útil caso, dando seguida cavava a cova e enterrava o corpo, com
cruz. No mais nada.
Guimarães
Rosa, in Grande sertão: veredas
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