Tinha
um laranjal imenso, era um exportador de frutas. Naquele dia ele se
levantou, antes das seis. A família só ia acordar duas horas mais
tarde. Dispunha de duas horas para andar pelo quintal, apanhar
laranjas, fazer um café forte e ficar no pátio atijolado lendo
histórias policiais. Lia até o ponto em que o detetive ia desvendar
o mistério. Fechava o livro, ficava analisando os pormenores e as
pistas para descobrir o criminoso. Quando tinha certeza, abria a
revista e terminava. Acertava sempre. Antes de apanhar a revista, ou
livro, ele percorria o quintal. Escolhendo laranjas. Apanhava meia
dúzia. Para ir chupando e cuspindo o caroço.
Pela
manhã, as folhas guardavam sereno e as frutas estavam úmidas e
macias. Ele escolhia uma de uma árvore, outra de outra. Nunca duas
da mesma árvore. Nesse dia reparou que as laranjas estavam frescas e
leves. Nunca tinham sido tão leves.
Começou
a descascar as mexericas. Ao romper a casca, viu que os dedos se
afundavam e de dentro da laranja vinha o cheiro. Forte, do sumo. Mas
não havia nada. Os gomos não existiam, havia apenas casca. Ele riu.
Alguma brincadeira da turma que estivera na casa, passando o domingo.
Deviam ter tirado a polpa, pacientemente, e reconstituído a casca.
Recolocando a fruta na árvore.
Abriu
a segunda. Vazia. Riu e abriu a terceira. O serviço tinha sido
benfeito. A turma sabia mesmo trabalhar. Apanhou outra mexerica.
Fresca e macia. Olhou bem. Perfeita. Nenhum sinal de violação, de
colas. Descascou. Vazia.
E
outra. Vazia.
E
mais uma, duas, dez. Nada, apenas o cheiro bom e forte. Ainda calmo.
Depois, menos.
Até
que começou a correr. Arrancando as laranjas dos pés, arrancando as
cascas. Com raiva. E as laranjas, vazias.
Era
preciso iniciar a investigação.
Quem,
os suspeitos?
Quais,
os motivos?
Quem,
seus inimigos?
Os
objetivos?
Furioso,
ele limpava as laranjeiras. Eram 5 mil. Diferentes qualidades. Todas
grandes, doces, podadas, livres de pragas. E quando a família o
encontrou, o pomar estava coalhado. De cascas. Não havia uma só
fruta vazia, nos pés. E ele tinha iniciado a investigação,
interrogando laranjeiras, serrando troncos, abrindo-os, tirando a
casca, examinando veios, cortando raízes, mastigando pedaços delas,
dissecando folhas.
Ignácio
de Loyola Brandão, in Cadeiras proibidas
o que essa crônica quer dizer?
ResponderExcluirEstou igual você
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