“Puxem
as correntes! Soltem a carcaça à ré!” As enormes talhas já
cumpriram com seu dever. O corpo branco e despido da baleia
decapitada brilha como um sepulcro de mármore; embora sua cor tenha
mudado, aparentemente não perdeu nada em volume. Ainda é colossal.
Vagarosamente ela flutua para longe, muito longe, com a água ao seu
redor salpicada de insaciáveis tubarões, e o ar em cima perturbado
pelo voo predatório de aves barulhentas, cujos bicos são como
muitos punhais a afrontar a baleia. O grande fantasma branco flutua
decapitado para bem longe do navio, e a cada jarda que flutua, o que
parecem milhas quadradas de tubarões e milhas cúbicas de aves
aumenta a balbúrdia sanguinária. Durante horas a fio, do navio
quase parado, vê-se esse horrível espetáculo. Sob o céu azul sem
nuvens, na superfície tranquila do mar sereno, levada pelas brisas
fagueiras, a grande massa da morte continua a flutuar, até se perder
na paisagem infinita.
É
um funeral lúgubre e escarnecido! Os abutres do mar todos em luto
respeitoso, e os tubarões do ar impecavelmente de preto ou
mesclados. Em vida poucos deles teriam ajudado a baleia, creio eu, se
por acaso ela tivesse precisado; mas no banquete de seu funeral todos
a espreitam religiosamente. Oh, terrível rapacidade do mundo, da
qual nem mesmo a mais poderosa baleia está livre!
Mas
isso não é o fim. Por mais profanado que o corpo esteja, um
fantasma vingativo sobrevive e paira sobre ele para assustar. Visto
de longe por um navio de guerra acanhado, ou por um navio de
exploração disparatado, com a distância obscurecendo a multidão
de aves, ainda se vê a massa branca flutuando ao sol, e o grande
jato branco se elevando a suas alturas; de pronto o cadáver
inofensivo da baleia é registrado com dedos trêmulos no livro de
bordo – baixios, rochedos e vagalhões nas redondezas: cuidado!
E por anos a fio é possível que os navios evitem aquelas paragens;
pulando-a como estúpidos carneiros pulam sobre o vazio, apenas
porque seu líder, quando forçado, pulava. Eis a lei de precedentes;
eis a utilidade das tradições; eis a história da sobrevivência
obstinada das antigas crenças, sem fundamentos na terra, e nem
correntes no ar! Eis a ortodoxia!
Assim,
enquanto em vida o corpo imenso da baleia pode ter sido um terror
real para seus inimigos, na morte seu fantasma se transforma em
pânico inócuo para o mundo.
Você
acredita em fantasmas, meu amigo? Existem outros fantasmas além de
Cock-Lane, e homens mais perspicazes
do que o Dr. Johnson que acreditam neles.
Herman
Melville, in Moby Dick
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