segunda-feira, 4 de fevereiro de 2019

O funeral

Puxem as correntes! Soltem a carcaça à ré!” As enormes talhas já cumpriram com seu dever. O corpo branco e despido da baleia decapitada brilha como um sepulcro de mármore; embora sua cor tenha mudado, aparentemente não perdeu nada em volume. Ainda é colossal. Vagarosamente ela flutua para longe, muito longe, com a água ao seu redor salpicada de insaciáveis tubarões, e o ar em cima perturbado pelo voo predatório de aves barulhentas, cujos bicos são como muitos punhais a afrontar a baleia. O grande fantasma branco flutua decapitado para bem longe do navio, e a cada jarda que flutua, o que parecem milhas quadradas de tubarões e milhas cúbicas de aves aumenta a balbúrdia sanguinária. Durante horas a fio, do navio quase parado, vê-se esse horrível espetáculo. Sob o céu azul sem nuvens, na superfície tranquila do mar sereno, levada pelas brisas fagueiras, a grande massa da morte continua a flutuar, até se perder na paisagem infinita.
É um funeral lúgubre e escarnecido! Os abutres do mar todos em luto respeitoso, e os tubarões do ar impecavelmente de preto ou mesclados. Em vida poucos deles teriam ajudado a baleia, creio eu, se por acaso ela tivesse precisado; mas no banquete de seu funeral todos a espreitam religiosamente. Oh, terrível rapacidade do mundo, da qual nem mesmo a mais poderosa baleia está livre!
Mas isso não é o fim. Por mais profanado que o corpo esteja, um fantasma vingativo sobrevive e paira sobre ele para assustar. Visto de longe por um navio de guerra acanhado, ou por um navio de exploração disparatado, com a distância obscurecendo a multidão de aves, ainda se vê a massa branca flutuando ao sol, e o grande jato branco se elevando a suas alturas; de pronto o cadáver inofensivo da baleia é registrado com dedos trêmulos no livro de bordo – baixios, rochedos e vagalhões nas redondezas: cuidado! E por anos a fio é possível que os navios evitem aquelas paragens; pulando-a como estúpidos carneiros pulam sobre o vazio, apenas porque seu líder, quando forçado, pulava. Eis a lei de precedentes; eis a utilidade das tradições; eis a história da sobrevivência obstinada das antigas crenças, sem fundamentos na terra, e nem correntes no ar! Eis a ortodoxia!
Assim, enquanto em vida o corpo imenso da baleia pode ter sido um terror real para seus inimigos, na morte seu fantasma se transforma em pânico inócuo para o mundo.
Você acredita em fantasmas, meu amigo? Existem outros fantasmas além de Cock-Lane, e homens mais perspicazes do que o Dr. Johnson que acreditam neles.
Herman Melville, in Moby Dick

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