domingo, 6 de maio de 2018

Quanto tempo?

Ninguém aguenta ser amante muito tempo.
O trauma dos amantes é que eles não querem ser amantes. Não curtem. É como um torcedor declarar que adora ver seu time de coração na série B; não cabe, não dá. O desejo é retornar à série A. Mas o que está errado é o sentimento diante da história, não a história.
Porque ser amante não significa segunda divisão, assim como ser casado não expressa uma elite do amor. Ai, que nó.
É como um engenheiro trabalhando como balconista: confessa que é passageiro; é como uma advogada trabalhando como manicure: alega que é provisório. Mas exercer os papéis de balconista e manicure não são depreciativos, é a comparação social que os torna inferiores. Incorporamos a convenção de que a engenharia e a advocacia são melhores ao exigir esforço, estudo e dinheiro.
Infelizmente, amante guarda um apelo de rejeição, de transitoriedade: se é ou se exerce a condição na ausência de uma situação duradoura e estável. Amante é passagem para uma história completa. Uma transição. Experimentar a catacumba dos motéis e horários quebrados para retornar à claridade. Responde a um sacrifício para conquistar definitivamente uma pessoa.
Não somos treinados a suportar um amor sem alarde. O problema dos amantes não é a falta de amor, é a falta de manchete do amor, a impossibilidade de contar aos outros que se está amando, já que os envolvidos são casados.
Pares terminam separados pela ausência de visibilidade e reconhecimento social, nunca em função de uma redução do amor. É como deixar de torcer pelo time, pois ele não ganhou nenhum título.
Um casal de amantes pode ser — mal ou bem — a história completa. E se a aventura é o máximo que cada um pode chegar ou atingir de entrega? Casando, será que os amantes não voltarão a dedilhar o tédio que escaparam ao criar um caso?
O amante se define como um constrangimento. Um vexame. Deveria se orgulhar de sua liberdade, da graça da insuficiência, mas insiste em fixar os pés na antessala nupcial e aceitar a dependência externa.
Somos ainda institucionalistas, confia-se que o casamento cura ou converte algo negativo (o amante) em algo bom (marido ou esposa). O que mudará com o casamento é somente a exposição oficial do que ocorria em surdina. Por isso, tantos amantes lamentam que o outro não “assume a relação”. Assumir a relação é casar. O que eles procuram é uma promoção. O ambiente amoroso permanece carregado de um jargão profissional.
De modo paradoxal, o que um amante mais deseja é dormir de conchinha ou que seu parceiro perca a hora e não vá de madrugada depois de transar. Que permaneça na cama a oferecer um colo muito próximo do concedido no matrimônio. Não é intrigante que a prova de confiança pretendida pelo amante seja andar de mãos dadas nas vias mais expressas ou beijar em público? Afirmação ao amante é negar sua natureza proibida para se aproximar da visibilidade marital.
Os amantes são os monogâmicos ocultos. Os monogâmicos tímidos. Não sobrevivem ao jogo instável, dispersivo e intenso do sigilo. Entram num caso para legitimar e regulamentar a relação.
O canalha nasceu para perpetuar a crise. Para mostrar que o amante não é o subdesenvolvido do afeto, como se acredita, ou que o casado é o civilizado da paixão, como se imagina.
Fabrício Carpinejar, in Ai meu Deus, ai meu Jesus

Nenhum comentário:

Postar um comentário