Mandei
um telegrama para o Brasil me demitindo. Agora estou sozinho em minha
sala, no sétimo andar, olhando o movimento da Rua Agustinas, lá
embaixo. São sete horas, e o sol primaveril ainda é vivo e alegre;
pela esquina de Ahumada flui a multidão. E eu compreendo que vou ter
saudade desta rua, desta esquina, desta cidade.
“Le
gusta Chile? Se acostumbra?” — São as perguntas ingênuas que
todo chileno faz ao forasteiro. Respondo agora: sim, eu gosto do
Chile; eu estava me acostumando com o Chile. Não será um fato raro;
tenho carinho por muitas cidades, me comovo à toa pensando numa rua
de Cachoeiro, numa ponte de Paris, numa fonte de Roma. E me acostumar
até hoje só não me acostumei com cadeia.
Mas
um amor não tem nada a ver com outro; dentro do meu coração
multifiel, Santiago ficará como a lembrança da mulher muito linda
que só me fez bem. Aqui vivi muitos meses, e não deixo nem levo
nenhum amor. Amizades, sim; ternuras, muitas.
E
agora, que me disponho a partir, essas ternuras se fazem mais doces.
Penso principalmente em duas ou três pessoas e me pergunto, com
melancolia, se meu destino não seria amar longamente essa moça
alta, bela e simples que me fez estremecer desde o primeiro instante
em que a vi — ou aquela outra de testa séria e nome inglês a quem
deixo como herança meu cavalete de aluno de desenho.
Vou-me.
Esquecerei, com certeza, seus nomes; tenho a triste experiência dos
homens maduros e viajados e, como sempre, no fundo do velho coração
cigano, sinto aquela estranha, indefinível, amarga volúpia de
partir. Olho lá embaixo a esquina de Agustinas e Ahumada fervilhando
de gente no fim da tarde de ouro. Um homem, entre centenas, dobra a
esquina, some-se, no rumo de seu destino banal. Aquele homem sou eu —
e do alto de minha janela solitária eu me despeço dele com um olhar
em que talvez haja alguma pena.
Rubem
Braga, in Ai de ti, Copacabana
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