É
raro o mal, de que não venha a nascer algum bem, nem bem, que não
produza algum mal: como só o presente é nosso, por isso não nos
serve de alívio o bem futuro, nem nos inquieta o mal que ainda não
sentimos; um infeliz não se persuade, que a sua sorte possa ter
mudança; um venturoso não crê, que possa deixar de o ser; a este a
vaidade tira o menor receio; àquele o abatimento priva de esperança.
Se fizermos reflexão, havemos de admirar o pouco que basta para
fazer o nosso bem, ou o nosso mal: de um instante a outro mudamos da
alegria para a tristeza, e muitas vezes sem outro algum motivo, que o
de uma vaidade mais, ou menos satisfeita.
Os
homens não são todos igualmente sensíveis ao bem, e ao mal; a uns
penetra mais vivamente a dor, a outros só faz uma impressão
ligeira; o bem não acha em todos o mesmo grau de contentamento. Nas
almas deve de haver a mesma diferença, que há nos corpos: umas mais
débeis, e outras mais robustas; por isso em umas obras mais o
sentimento, e acha mais resistência em outras; em umas domina a
vaidade com império, e com furor, em outras só assiste como coisa
natural; naquelas a vaidade é uma paixão com ímpeto, nestas é um
vício sossegado, e sem desordem.
Matias
Aires, in
Reflexões Sobre a Vaidade dos Homens e Carta Sobre a
Fortuna
Nenhum comentário:
Postar um comentário