Capitão Ahab, por Anton Lomaev
No
dia seguinte, Stubb aproximou-se de Flask. “Eu nunca tive um sonho
tão estranho, King-Post. Você sabe a perna de marfim do velho, bem,
eu sonhei que ele tinha me dado um pontapé; e quando tentei
devolver, juro, pequeno, chutei minha própria perna. E então, olha
isso! Ahab virou uma pirâmide, e eu, um louco furioso, que a chutava
sem parar. Mas o que é mais curioso, Flask – sabe como os sonhos
são curiosos –, apesar de toda a raiva que sentia, parecia que eu
achava que, afinal de contas, o pontapé de Ahab não tinha sido
muito ofensivo. ‘Bem’, pensei, ‘qual é o problema? Não é uma
perna de verdade, é apenas uma perna falsa.’ E há uma diferença
muito grande entre um chute de coisa viva e um chute de coisa morta.
Por isso um golpe com os punhos, Flask, é cinquenta vezes mais
difícil de suportar do que um golpe com uma bengala. É o membro
vivo – ele torna o insulto vivo, pequeno. O tempo todo ficava
pensando, sabe, que enquanto eu estava ralando os dedos idiotas do
meu pé naquela pirâmide maldita – era tudo tão terrivelmente
contraditório –, o tempo todo eu pensava, eu dizia para mim mesmo,
‘essa perna é apenas uma bengala – uma bengala de osso de
baleia. Sim’, penso então, ‘foi uma paulada de brincadeira –
na verdade, me deu um pontapé de baleia – o que não é
humilhante. Além disso’, pensei, ‘olhe bem, aquela parte do pé
– como é pequena; se fosse um fazendeiro de pés grandes que me
desse um pontapé, isso sim seria um insulto dos infernos. Mas esse
insulto se reduzia a pouca coisa. Mas agora vem a parte mais
engraçada do sonho, Flask. Enquanto eu batia na pirâmide, um tritão
velho corcunda, com cabelo de texugo, me agarra pelos ombros e me faz
dar meia-volta. ‘O que você ‘tá fazendo?’, ele diz. ‘Meu
Deus! Mas como me assustei. Que cara mais feia! Mas, sei lá como,
logo superei o medo. ‘O que estou fazendo?’, digo, por fim. ‘O
que tem com isso, eu gostaria de saber, senhor Corcunda? Quer levar
um chute?’ Juro por Deus, Flask, eu não tinha acabado de dizer
isso e ele virou seu traseiro, se inclinou e puxou um punhado de
algas marinhas que usava para se cobrir – e o que você acha que eu
vi? –, ora, raios, homem, de seu traseiro saíam como que marlins,
com as pontas para fora. Pensando melhor, eu digo: ‘Acho que não
vou te dar um chute, meu velho’. ‘Sábio Stubb’, ele diz,
‘sábio Stubb’, e fica repetindo baixinho, mascando as próprias
gengivas, como uma bruxa de chaminé. Vendo que ele não ia parar de
dizer ‘sábio Stubb, sábio Stubb’, achei melhor chutar a
pirâmide de novo. Mal havia levantado o pé quando ele urrou, ‘Pare
de chutar!’. ‘Ô!’, digo eu, ‘qual é o problema agora, meu
velho?’ ‘Olha aqui’, ele diz, ‘vamos discutir o insulto. O
Capitão Ahab chutou você, não é?’ ‘Sim, chutou sim’, eu
digo – ‘bem aqui.’ ‘Muito bem’, ele diz – ‘ele
usou sua perna de marfim, não é?’ ‘Sim, usou sim.’ ‘Pois
bem’, ele diz, ‘sábio Stubb, do que você está se queixando? O
chute não foi dado de boa vontade? Não com uma reles perna de pau
comum, foi? Não, você levou um chute de um grande homem, com uma
bela perna de marfim, Stubb. É uma honra; eu considero uma honra.
Escute aqui, sábio Stubb. Na velha Inglaterra, os nobres consideram
uma honra muito grande ser esbofeteado por uma rainha, e tornam-se
cavaleiros da Ordem da Jarreteira por isso. Você pode se orgulhar,
Stubb, porque foi chutado pelo velho Ahab, e com isso se tornou um
homem sábio. Lembre-se do que eu digo: leve um chute dele;
considere o chute uma honra; nunca devolva o chute, pois de nada
adianta, sábio Stubb. Não vê a pirâmide?’ Ao dizer isso ele
desapareceu de repente, de um modo esquisito, como se estivesse
nadando no ar. Eu soltei um ronco, me virei, e eis que estava na
minha rede! Ora, o que você acha desse sonho, Flask?”
“Não
sei, parece um pouco bobo pra mim.”
“Pode
ser, pode ser. Mas fez de mim um homem sábio, Flask. ‘Cê ‘tá
vendo Ahab parado ali, olhando de lado sobre a popa? A melhor coisa
que você pode fazer, Flask, é deixar o velho sozinho; nunca
responda, não importa o que ele diga. Ô! O que é que ele está
gritando? Escuta!”
“Vocês
do topo do mastro, aí! Observem com atenção, todos! Temos baleias
nas imediações. Se avistarem uma baleia branca, gritem até
arrebentar os pulmões!” “
O
que você acha disso agora, Flask? Não tem alguma coisa estranha aí?
Uma baleia branca – Ouviu isso, homem? Veja bem – Tem algo de
especial no vento. Prepare-se, Flask. Ahab tem algo de sanguinário
em mente. Mas bico calado, ele vem vindo pra cá.”
Herman
Melville, in Moby Dick
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