Veríssimo, na pastelaria com o pastel que leva seu nome
Nós
estávamos indo de carro de Porto Alegre para Passo Fundo, onde se
realizava mais uma Jornada de Literatura (um inacreditável evento em
que milhares de pessoas se reúnem para ouvir escritores, tratá-los
como artistas de cinema e mandá-los de volta em caravanas, porque
seus egos têm que ir em carros separados). O Augusto Boal, a Lúcia
e eu. Seria uma viagem de quatro horas e tínhamos combinado que na
metade do caminho pararíamos para comer pastéis.
Como
se sabe, um dos 17 prazeres universais do Homem é past el de beira
de estrada. Existe mesmo uma tese segundo a qual, quanto pior a
aparência do restaurante rodoviário, melhor o pastel. Mas já
estávamos no meio do caminho e nenhum dos lugares avistados nos
parecera promissor, pastelmente falando. Foi quando o motorista
revelou que conhecia um bom pastel. Nós talvez só não aprovássemos
o local... Destemidos, aceitamos sua sugestão, antecipando o grau de
sordidez do lugar e a correspondente categoria do pastel. E o
motorista parou num shopping center que tem na estrada, à altura da
cidade de Lajeado.
Não
me lembro se a loja de pastéis tinha nome em inglês. Podia muito
bem se chamar “Pastel’s”, ou coisa parecida. A loja do lado
provavelmente era da Benetton e o shopping center podia ser em
qualquer lugar do mundo. Alguém que se materializasse ao nosso lado
e olhasse em volta não saberia em que país estava, muito menos em
que estado ou cidade. Nem a visão do Augusto Boal comendo um pastel
o ajudaria. O Augusto Boal viaja muito.
Estávamos,
na verdade, no grande e prático Estados Unidos que se espalhou pelo
mundo, e substituiu as ruas e as estradas dos nossos hábitos pela
conveniência ar-condicionada. E nada disto doeria tanto se não
fosse por um fato terrível: o pastel estava ótimo.
Estamos
perdidos.
Luís
Fernando Veríssimo,
in A
mesa voadora
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