Diz
NÃO à liberdade que te oferecem, se ela é só a liberdade dos que
ta querem oferecer. Porque a liberdade que é tua não passa pelo
decreto arbitrário dos outros.
Diz
NÃO à ordem das ruas, se ela é só a ordem do terror. Porque ela
tem de nascer de ti, da paz da tua consciência, e não há ordem
mais perfeita do que a ordem dos cemitérios.
Diz
NÃO à cultura com que queiram promover-te, se a cultura for apenas
um prolongamento da polícia. Porque a cultura não tem que ver com a
ordem policial mas com a inteira liberdade de ti, não é um modo de
se descer mas de se subir, não é um luxo de elitismo,
mas um modo de seres humano em toda a tua plenitude.
Diz
NÃO até ao pão com que pretendem alimentar-te, se tiveres de
pagá-lo com a renúncia de ti mesmo. Porque não há uma só forma
de to negarem negando-to, mas infligindo-te como preço a tua
humilhação.
Diz
NÃO à justiça com que queiram redimir-te, se ela é apenas um modo
de se redimir o redentor. Porque ela não passa nunca por um código,
antes de passar pela certeza do que tu sabes ser justo.
Diz
NÃO à verdade que te pregam, se ela é a mentira com que te ilude o
pregador. Porque a verdade tem a face do Sol e não há noite nenhuma
que prevaleça enfim contra ela.
Diz
NÃO à unidade que te impõem, se ela é apenas essa imposição.
Porque a unidade é apenas a necessidade irreprimível de nos
reconhecermos irmãos.
Diz
NÃO a todo o partido que te queiram pregar, se ele é apenas a
promoção de uma ordem de rebanho. Porque sermos todos irmãos não
é ordenamo-nos em gado sob o comando de um pastor.
Diz
NÃO ao ódio e à violência com que te queiram legitimar uma luta
fratricida. Porque a justiça há-de nascer de uma consciência
iluminada para a verdade e o amor, e o que se semeia no ódio é ódio
até ao fim e só dá frutos de sangue.
Diz
NÃO mesmo à igualdade, se ela é apenas um modo de te nivelarem
pelo mais baixo e não pelo mais alto que existe também em ti.
Porque ser igual na miséria e em toda a espécie de degradação não
é ser promovido a homem mas despromovido a animal.
E
é do NÃO ao que te limita e degrada que tu hás-de construir o SIM
da tua dignidade.
Vergílio
Ferreira, in
Conta-Corrente 1
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