Uma mulher me parou na rua e me chamou
de Sérgio.
Senti-me diminuído.
Toda a minha personalidade ruindo com
aquela afirmação: “Sérgio.”
A entonação: “Sérgio?!”
Não como pergunta, mas espanto: “Não
está me reconhecendo, Sérgio?”
Quem é Sérgio? Outra pessoa. Eu não
mais com o meu rosto, minha marca. Envelhecido. Envelheci e virei
Sérgio.
Sinto-me menor agora, ainda menos
importante.
Como se até o corpo, única coisa que
fica, dizem, não mais me pertencesse. Até ele me abandonou e lembra
um Sérgio qualquer. Quando eu morrer, daqui a pouco, minha alma, se
existir, se existir como o Livro diz – o meu ou o de Ana,
convertida –, vai planar para algum lugar. Aqui, nem a casca fica,
ela já foi, partiu antes. Não tenho mais no corpo minha impressão
digital, meu reflexo no espelho, o que o mundo vê no meu rosto
poderia ser qualquer um, Sérgio.
Ela insistiu: “Sérgio.” Não que
tenha repetido. Foi apenas um olhar mais demorado quando eu disse que
não era o Sérgio, que meu nome era Natan. Deveria ter seguido
caminho, passos lentos, mas ainda meus. Não. Fiquei preso na
afirmação, mesmo negada. Parei. Os olhos dela nos meus, me
reduzindo a Sérgio, quase como se não fosse permitido que eu não
fosse o Sérgio, ou quem sabe ela tivesse a certeza de que eu fosse
Sérgio e estivesse mentindo, mas por que eu estaria mentindo, por
que Sérgio mentiria para ela?, penso agora. De repente um homem e
uma mulher, velhos, ambos, ela um pouco menos do que eu, estacam na
rua, olhos nos olhos, uma frase-afirmação entre eles, parados, uma
resposta que não encontra eco. “Não sou Sérgio.” Mas quem
consegue se mexer?, não eu, aniquilado, esvaído das últimas
forças.
Ela foi embora pesando seus passos,
contrariada, eu diria ofendida, eu era Sérgio e, negando, recusara
que ela fosse, que ela fosse quem quer que seja, ela mesma. O que
importa era a rejeição. Eu não sendo Sérgio, ou fingindo não ser
Sérgio, matava o encontro, a história, apagava o passado, o passado
dela. Ela foi embora, eu fiquei ali, entregue. Não sabia mais para
onde estava indo, por que não estava em casa, quem eu era, se não
Sérgio, como tinha tanta certeza que não era ele?
Dei meia-volta e retornei para casa,
já o apartamento de Marlene: “Voltou, papai?”
Flávio Izhaki, em Amanhã não tem ninguém

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