terça-feira, 9 de dezembro de 2025

Sérgio?


Uma mulher me parou na rua e me chamou de Sérgio.
Senti-me diminuído.
Toda a minha personalidade ruindo com aquela afirmação: “Sérgio.”
A entonação: “Sérgio?!”
Não como pergunta, mas espanto: “Não está me reconhecendo, Sérgio?”
Quem é Sérgio? Outra pessoa. Eu não mais com o meu rosto, minha marca. Envelhecido. Envelheci e virei Sérgio.
Sinto-me menor agora, ainda menos importante.
Como se até o corpo, única coisa que fica, dizem, não mais me pertencesse. Até ele me abandonou e lembra um Sérgio qualquer. Quando eu morrer, daqui a pouco, minha alma, se existir, se existir como o Livro diz – o meu ou o de Ana, convertida –, vai planar para algum lugar. Aqui, nem a casca fica, ela já foi, partiu antes. Não tenho mais no corpo minha impressão digital, meu reflexo no espelho, o que o mundo vê no meu rosto poderia ser qualquer um, Sérgio.
Ela insistiu: “Sérgio.” Não que tenha repetido. Foi apenas um olhar mais demorado quando eu disse que não era o Sérgio, que meu nome era Natan. Deveria ter seguido caminho, passos lentos, mas ainda meus. Não. Fiquei preso na afirmação, mesmo negada. Parei. Os olhos dela nos meus, me reduzindo a Sérgio, quase como se não fosse permitido que eu não fosse o Sérgio, ou quem sabe ela tivesse a certeza de que eu fosse Sérgio e estivesse mentindo, mas por que eu estaria mentindo, por que Sérgio mentiria para ela?, penso agora. De repente um homem e uma mulher, velhos, ambos, ela um pouco menos do que eu, estacam na rua, olhos nos olhos, uma frase-afirmação entre eles, parados, uma resposta que não encontra eco. “Não sou Sérgio.” Mas quem consegue se mexer?, não eu, aniquilado, esvaído das últimas forças.
Ela foi embora pesando seus passos, contrariada, eu diria ofendida, eu era Sérgio e, negando, recusara que ela fosse, que ela fosse quem quer que seja, ela mesma. O que importa era a rejeição. Eu não sendo Sérgio, ou fingindo não ser Sérgio, matava o encontro, a história, apagava o passado, o passado dela. Ela foi embora, eu fiquei ali, entregue. Não sabia mais para onde estava indo, por que não estava em casa, quem eu era, se não Sérgio, como tinha tanta certeza que não era ele?
Dei meia-volta e retornei para casa, já o apartamento de Marlene: “Voltou, papai?”

Flávio Izhaki, em Amanhã não tem ninguém

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