terça-feira, 2 de dezembro de 2025

Diário de Bernardo Soares

74.

Trovoada

Este ar baixo e nuvens paradas. O azul do céu estava sujo de branco transparente.
O moço, ao fundo do escritório, suspende um minuto o cordel à roda do embrulho eterno....
Como está só me lembra de uma”, comenta estatisticamente.
Um silêncio frio. Os sons da rua como que foram cortados à faca. Sentiu-se, prolongadamente, como um mal-estar de tudo, um suspender cósmico da respiração. Parara o universo inteiro. Momentos, momentos, momentos. A treva encarvoou-se de silêncio.
Súbito, aço vivo,
Que humano era o toque metálico dos elétricos! Que paisagem alegre a simples chuva na rua ressuscitada do abismo!
Oh, Lisboa, meu lar!

Fernando Pessoa, em Livro do Desassossego

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