segunda-feira, 28 de abril de 2025

Linguagem Politicamente Correta

Era o ano de 1971. Eu fora convidado a fazer uma conferência no Union Theological Seminary de Nova York. Na minha fala usei várias vezes a palavra “homem” com o sentido universal de “todos os seres humanos”, incluindo não só os homens, que a palavra nomeava claramente, como também as mulheres, que a palavra deixava na sombra. Era assim que se falava no Brasil.
Depois da conferência, fui jantar no apartamento do presidente. Sua esposa, delicada mas firmemente, deu-me a devida reprimenda.
Não é politicamente correto usar a palavra ‘homem’ para significar também as mulheres. Como também não é correto usar o pronome ‘ele’ para se referir a Deus. Deus tem genitais de homem? Esse jeito de falar não foi inventado pelas mulheres... Foi inventado pelos homens numa sociedade em que eles tinham a força e a última palavra... É sempre assim: quem tem força tem a última palavra...”
O que aprendi daquela mulher naquele jantar é que as palavras não são inocentes. Elas são armas que os poderosos usam para ferir e dominar os fracos.
Os brancos norte-americanos inventaram a palavra “niger” para humilhar os negros. E trataram de educar suas crianças. Criaram uma brincadeira que tinha um versinho que ia assim: “Eeny, meeny, miny, moe, catch a niger by the toe... — agarre um crioulo pelo dedão do pé...” (Aqui no Brasil, quando se quer diminuir um negro, usa-se a palavra “crioulo”: aquele criolão... ).
Foi para denunciar esse uso ofensivo da palavra que os negros cunharam o slogan “black is beautiful” — “o negro é bonito”. A essa linguagem de protesto, purificada de sua função de discriminação, deu-se o nome de “linguagem politicamente correta” (pclanguage).
A regra fundamental da linguagem politicamente correta é a seguinte: nunca use uma palavra que humilhe, discrimine ou zombe de alguém. Encontre uma forma alternativa de dizer a mesma coisa.
Não se deve dizer “ele é aleijado”, “ele é cego”, “ele é deficiente”, etc. O ponto crucial é o verbo “ser”. O verbo ser torna a deficiência de uma pessoa parte da sua própria essência. Ela é a sua deficiência. A pclanguage, ao contrário, separa a pessoa da sua deficiência. Em vez de “João é cego”, “João é portador de uma deficiência visual...”. Essa regra se aplica a mim também.
Por exemplo: “Rubem Alves é velho”. Inaceitável. Porque chamar alguém de velho é ofendê-lo, muito embora eu não saiba quem foi que decretou que velhice é ofensa. (O título do livro do Hemingway deveria ser mudado para O idoso e o mar?...)
As salas de espera dos aeroportos são lugares onde se pratica a linguagem politicamente correta o tempo todo. Aí, então, na hora em que se convocam os “portadores de necessidades especiais” para embarcar, as necessidades especiais sendo cadeiras de roda, bengalas, crianças de colo, convocam-se também os velhos, eu inclusive. Mas, sem saber que palavra ou expressão usar para se referir aos velhos sem ofendê-los, houve alguém que concluiu que o caminho mais certo seria chamar os velhos pelo seu contrário. Assim, ao invés de convocar velhos ou idosos pelos alto-falantes, a voz convoca os “jovens”, isto é, os cidadãos da “melhor idade”. É claro que a “melhor idade” só pode ser a juventude...
A linguagem politicamente correta pode se transformar em ridículo... Chamar velhice de “melhor idade” só pode ser gozação.
Quero então fazer uma sugestão que agradará aos velhos. A voz chama para embarcar os “cidadãos da idade é terna...”. Não é bonito ligar a velhice com a ternura?

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