quinta-feira, 9 de janeiro de 2025

A leste do Éden | 7


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Charles recebia poucas cartas. Às vezes levava semanas sem ir à agência dos correios. Em fevereiro de 1894, quando chegou um envelope espesso de uma firma de advogados em Washington, o agente dos correios achou que devia ser importante. Foi a pé até a fazenda dos Trask, encontrou Charles rachando lenha, e entregou-lhe a carta. E como se dera todo aquele trabalho, esperou para saber o que continha a carta.
Charles o deixou esperar. Muito lentamente, leu todas as cinco páginas, voltou a lê-las, movendo os lábios de acordo com as palavras. Então dobrou a carta e se dirigiu para a casa.
O agente dos correios foi atrás dele e falou:
Algum problema, sr. Trask?
Meu pai morreu — disse Charles, e entrou na casa e fechou a porta.
Foi um golpe para ele — relatou o agente dos correios na cidade. — Foi um golpe tremendo. É um homem quieto. Não fala muito.
Em casa, Charles acendeu o lampião embora ainda não estivesse escuro. Colocou a carta sobre a mesa e lavou as mãos antes de se sentar para ler de novo.
Ninguém foi capaz de lhe mandar um telegrama. Os advogados encontraram o seu endereço entre os papéis do pai. Lamentavam — ofereciam suas condolências. E estavam também muito excitados. Quando foram verificar o testamento de Trask, acharam que poderia haver algumas centenas de dólares para os filhos. Era o que ele parecia valer. Quando inspecionaram seus talões de cheque descobriram que tinha acima de noventa e três mil dólares no banco e dez mil dólares em títulos valorizados. Sentiram-se muito diferentes em relação ao sr. Trask então. Pessoas com todo aquele dinheiro eram ricas. Nunca teriam de se preocupar. Era o suficiente para começar uma dinastia. Os advogados congratularam Charles e o seu irmão Adam. Segundo o testamento, diziam, os bens deveriam ser divididos igualmente. Depois do dinheiro davam uma lista dos objetos pessoais deixados pelo falecido: cinco espadas cerimoniais presenteadas a Cyrus em várias convenções do Grande Exército da República, um martelo de juiz de madeira de oliva com uma plaqueta de ouro, um relógio-amuleto da Maçonaria com os ponteiros de diamantes, as jaquetas de ouro dos dentes que ele tirou quando colocou dentaduras, um relógio de prata, uma bengala com castão de ouro e assim por diante.
Charles leu a carta mais duas vezes e apoiou a testa na palma das mãos. Começou a pensar em Adam. Queria Adam em casa.
Charles sentia-se perplexo e entorpecido. Acendeu o fogão, botou a frigideira para esquentar e lançou nela fatias grossas de carne de porco salgada. Voltou a dar uma olhada na carta. Subitamente a pegou e colocou-a na gaveta da mesa da cozinha. Decidiu não pensar mais no assunto por um tempo.
Claro que não conseguiu pensar em outra coisa, mas era um pensamento tedioso e circular que voltava repetidamente ao ponto de partida: onde ele conseguira aquele dinheiro?
Quando dois acontecimentos têm algo em comum, em suas naturezas ou no tempo ou local, nós chegamos rapidamente à conclusão de que são similares e, a partir dessa tendência, criamos uma magia e os guardamos para contar de novo depois. Charles nunca antes na vida tivera uma carta entregue para ele na fazenda. Algumas semanas depois, um menino foi correndo até a fazenda com um telegrama. Charles sempre associou a carta e o telegrama assim como juntamos duas mortes e antecipamos uma terceira. Correu até a estação de trem do vilarejo com o telegrama na mão.
Veja isso aqui — disse ao telegrafista.
Eu já li.
Já leu?
Veio pela linha — disse o telegrafista. — Eu o botei no papel.
Ah! Sim, por certo. “Necessidade urgente envie cem dólares pelo telégrafo. Voltando para casa. Adam.”
Veio a cobrar — disse o telegrafista. — Deve-me sessenta centavos.
Valdosta, Geórgia, nunca ouvi falar.
Nem eu, mas está lá.
Diga, Carlton, como é que se telegrafa dinheiro?
Bem, o senhor me traz cento e dois dólares e sessenta centavos e eu mando um telegrama dizendo ao telegrafista de Valdosta que pague cem dólares para Adam. Deve-me sessenta centavos, também.
Vou pagar, mas, me diga, como posso saber que é Adam? O que vai impedir qualquer outro de pegar o dinheiro?
O telegrafista se permitiu um sorriso mundano.
Nosso modo de operar, senhor, é o seguinte: o senhor me dá uma pergunta cuja resposta ninguém mais poderia saber. Então eu mando a pergunta e a resposta. O telegrafista faz a pergunta ao sujeito e, se ele não souber responder, não leva o dinheiro.
Ora, isso é muito inteligente. É melhor eu pensar em algo bem bom.
É melhor pegar os cem dólares enquanto o velho Breen ainda está com o guichê aberto.
Charles se divertiu com o jogo. Voltou com o dinheiro na mão.
Já tenho a pergunta — disse.
Espero que não seja o nome do meio da sua mãe. Muita gente não lembra.
Não, nada disso. É esta: “O que foi que você deu para papai no aniversário dele pouco antes de partir para o Exército?”
É uma boa pergunta, mas é comprida como o diabo. Não pode reduzi-la para dez palavras?
Quem está pagando? A resposta é: “Um filhote de cachorro.”
Ninguém adivinharia isso, eu acho — disse Carlton. — Bem, é o senhor quem está pagando, não eu.
Vai ser engraçado se ele tiver esquecido — disse Charles. — Nunca mais voltaria para casa.

John Steinbeck, em A leste do Éden

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