Sob certo ponto de vista, considero fazer coisas abstratas como o menos literário. Certas páginas, vazias de acontecimentos, me dão a sensação de estar tocando na própria coisa, e é a maior sinceridade. É como se eu esculpisse – qual é a mais verdadeira escultura de um corpo? o corpo, a forma do corpo, a expressão da própria forma do corpo – e não a expressão “dada” ao corpo. Uma Vênus nua, em pé, “inexpressiva”, é muito mais do que uma ideia literária de Vênus. Estou chamando “ideia literária de Vênus”, uma Vênus, por exemplo, que tivesse no rosto um sorriso de Vênus, um olhar de Vênus, como um título. A Vênus de Milo – é uma mulher abstrata. (Se eu desenhar num papel, minuciosamente, uma porta, e se eu não lhe acrescentar nada meu, estarei desenhando muito objetivamente uma porta abstrata.)
Clarice Lispector, em Todas as crônicas
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