Meu
caro Liberato,
Em
resposta à sua carta e aos poemas que me enviou, agradeço antes de
tudo a sua confissão de ser meu freguês de caderno. Diz-me você
que se sente muito a gosto em poetar de mão livre e coração
aberto, tanto mais que a poesia, muito antes da época em que o meu
jovem chegou a este mundo, “já estava liberta de peias absurdas
como o metro, a rima, etc.”. Por isso mesmo é que resolvi chamá-lo
de Liberato nesta resposta, embora o seu nome seja muito outro. Mas
não é bem assim, Liberato...
O
modernismo, ou melhor, o verso-librismo libertou o verso, é verdade,
mas não libertou o poeta.
Havia,
antes, uma arte poética cujos rudimentos estavam ao alcance de todos
e que, se não ensinava a fazer um poema perfeito, ao menos permitia
fazê-lo sem imperfeições.
Agora,
qualquer poema é uma aventura, boa ou má. O poema livre, como o seu
nome o diz, não é obrigado a ter versos de medida clássica, muito
embora os possa ter, visto que um bom verso clássico é tão natural
ou expressivo como outro qualquer. Mas, se as linhas do poema que
você estiver fazendo “livremente” não se complementarem, se o
todo não apresentar uma misteriosa unidade, o poema se desagrega.
Tudo tem de estar interdependente, como num sistema planetário. O
poema livre é um jogo de equilíbrio, prestes a desabar ao mínimo
descuido do construtor.
Quanto
à armação de um poema em versos regulares, é coisa tão segura
como empilhar paralelepípedos.
Também
os parnasianos precisavam saber equilibrar-se, é claro, mas
trabalhavam com rede de segurança...
Desconfio
que você acaba de sofrer uma decepção a meu respeito, pois não
lhe apresento nenhuma regra, nem sequer um truque. Não há. Ou, por
outra, há. Mas isso depende do livre esforço de cada um. O
verdadeiro criador é como esses presidiários que forjam, por si
mesmos, as próprias armas.
Vejo,
também, que só tenho raciocinado por imagens... coisa suspeita a um
espírito lógico — mas acaso não estou falando com um poeta?
Em
todo caso, meu caro Liberato, você estava candidamente enganado em
julgar aí consigo que não se precisa suar para fazer um poema
livre: precisa-se suar muito mais, por experiência o digo.
E...
Mário Quintana, em Caderno H
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