terça-feira, 9 de julho de 2024

Os Nascimentos | 1538 – Vale de Bogotá

Barba Negra, Barba Vermelha, Barba Branca

Faz um ano que Gonzalo Jiménez de Quesada, barba negra, olhos negros, saiu em busca das fontes de ouro na nascente do rio Madalena. A metade da aldeia de Santa Marta veio atrás dele.
Atravessaram pântanos e terras que fumegam ao sol. Quando chegaram às margens do rio, já não sobrava vivo nenhum dos milhares de índios nus que tinham trazido para carregar os canhões e o pão e o sal. Como já não havia escravos para perseguir e capturar, jogaram os cachorros nos caldeirões de água fervendo. Depois, também os cavalos foram cortados em pedaços. A fome era pior que os crocodilos, as cobras e os mosquitos. Comeram raízes e correias. Disputaram a carne de quem caía, antes que o padre terminasse de dar-lhe a passagem para o Paraíso.
Navegaram rio acima, metralhados pelas chuvas e sem vento nas velas, até que Quesada decidiu mudar de rumo. El Dorado está do outro lado da cordilheira, decidiu, e não na origem do rio. Caminharam através das montanhas.
Depois de muito subir, Quesada aparece agora e vê os verdes vales da nação dos chibchas. Ante cento e sessenta esfarrapados comidos pelas febres, ergue a espada, toma posse e proclama que nunca mais obedecerá às ordens de seu governador.
Faz três anos e meio que Nicolás de Federmann, barba vermelha, olhos azuis, saiu de Córo em busca do centro dourado da terra. Peregrinou por montanhas e planícies. Os índios e os negros foram os primeiros a morrer.
Quando Federmann se ergue sobre os picos onde se enredam as nuvens, descobre os verdes vales da nação dos chibchas. Cento e sessenta soldados sobreviveram, fantasmas que se arrastam cobertos de peles de veado. Federmann beija a espada, toma posse e proclama que nunca mais obedecerá às ordens de seu governador.
Faz mais de três anos que Sebastián de Benalcázar, olhos cinzentos, barba branca da idade ou do pó dos caminhos, saiu em busca dos tesouros que a cidade de Quito, esvaziada e queimada, lhe tinha negado. Da multidão que o seguiu, restam cento e sessenta europeus extenuados e nenhum índio. Arrasador de cidades, fundador de cidades, Benalcázar deixou por sua passagem um rastro de cinza e sangue e novos mundos nascidos da ponta de sua espada: em torno do patíbulo, a praça; em torno da praça, a igreja, as casas, as muralhas.
Fulgura o casco do conquistador no topo da cordilheira. Benalcázar toma posse dos verdes vales da nação dos chibchas e proclama que nunca mais obedecerá às ordens de seu governador.
Pelo norte, chegou Quesada. Pelo oriente, Federmann. Pelo sul, Benalcázar. Cruz e arcabuz, céu e solo: ao final de tantas voltas loucas pelo planeta, os três capitães rebeldes descem pelos flancos da cordilheira e se encontram no planalto de Bogotá.
Benalcázar sabe que viajam em liteiras de ouro os caciques deste reino. Federmann sabe que escuta a doce melodia que a brisa arranca das lâminas de ouro penduradas sobre templos e palácios. Quesada sabe que se ajoelha à beira da lagoa onde os sacerdotes indígenas mergulham cobertos de ouro em pó.
Quem ficará com o El Dorado? Quesada, que veio de Granada, que diz que foi o primeiro? Federmann, o alemão de Ulm, que conquista em nome de Welser, o banqueiro? Benalcázar, que veio de Córdoba?
Os três exércitos em farrapos, chagas e ossos, se medem e esperam.
Explode então a risada do alemão. Não pode parar de rir e se dobra de riso e os andaluzes se contagiam até caírem no chão os três capitães, derrubados pelas gargalhadas e pela fome e por esse que marcou um encontro com eles e agora caçoa deles: esse que está sem estar e que chegou sem vir: esse que sabe que o El Dorado não será de ninguém.

Eduardo Galeano, em Os Nascimentos

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