sábado, 6 de julho de 2024

o resumo

nas manhãs de segunda-feira no hotel, enjoados, nenhuma
renda à vista, e famintos, famintos há meses, a
próxima garrafa era tudo a que nos aferrávamos, era
o ápice, era Deus.

eu arrumava um emprego por um ou dois ou até mesmo três ou quatro
dias
mas chegaria a manhã em que não conseguiria ir
ao trabalho
e vez ou outra me pagavam os dias ali na hora
mas na maior parte do tempo havia uma terrível espera,
tínhamos que enrolar o gerente do hotel, aquele mesmo
gerente que telefonava para nossos quartos duas ou três vezes à
noite
pedindo que por favor parássemos
a cantoria os palavrões os gritos os sons
de coisas quebrando

mas as manhãs de segunda-feira sempre pareciam ser nosso tempo
nossa folga
e por volta das 11h30 eu me levantava e descia e
olhava nas lixeiras e apanhava os dois jornais
dominicais
e os trazia de volta comigo
e então os líamos juntos
na cama: as curiosidades, as notícias do mundo, as
seções de viagem e variedades, tudo menos
os classificados, a seção de
empregos…
creio que encorajávamos um ao outro –
ela afetava não dar bola
para nada e eu seguia pelo mesmo
caminho.

depois dos jornais matutinos batíamos perna pela rua,
ah, que par!: ela tossindo em torno do
cigarro, eu com o cabelo desgrenhado, perdido em alguma
vastidão
interior ou exterior.

encontrávamos portas: havia a Russa Louca, às vezes
a sorte estava com ela; havia também Lily Banguela
que vivia com uma modelo em fim de carreira que de quando
em quando arrumava um trampo – por vezes eram boas parceiras
de bebida; ou havia Eddie, o advogado
cassado.

sempre havia bebida em algum lugar; sempre alguém
com sorte, e assim como íamos atrás deles
eles vinham atrás de nós
eles nos encontravam
e o que quer que tivéssemos para beber dividíamos
com eles.
e sempre havia histórias, principalmente sobre
entrar e sair da prisão ou sobre aqueles que tinham
morrido: “lembram aquele cara com uma marca de queimadura no
rosto que sempre sentava no banco perto da entrada
e fumava aqueles mata-ratos? bem, ele se...”

sentados calmamente falando em algum lugar, de hábito
nessas manhãs de segunda-feira:
Marty esteve
fora por três dias e noites seguidos e quando abriu a
porta lá estava Edna sentada na cadeira, dura feito
pedra, devia estar morta há uns dois
dias...”

não sei, me parecia um tempo bem decente, o sol
brilhava constante e forte e firme e
as noites eram melhores, escuras e interessantes noites
porque então as bebidas estavam no comando e
o mundo quase parecia um lugar
aceitável.

ainda assim, é curioso, me lembro bem das segundas,
era quando os outros começavam suas semanas de
trabalho, aferrados ao sonho da indústria, uma indústria
que os cuspiria fora
quando não fossem mais
necessários.

nós mesmos já tínhamos nos cuspido fora, incapazes de
acreditar em nada daquilo, tínhamos nos livrado das ameaças
dos sombrios soberanos, estávamos bem próximos da
liberdade, éramos milionários das segundas-feiras e
jamais poderíamos perder
isso.

sentados naquelas peças minúsculas
rindo, falando, engasgando, bebendo, nós
os ferrados
ali –
quase perfeitos, quase sábios mas
não de todo, isso teria estragado
tudo – quase mais loucos do que os que haviam
nos criado –
fizemos o que
fizemos.

Charles Bukowski, em Miscelânea septuagenária: contos & poemas

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