nas
manhãs de segunda-feira no hotel, enjoados, nenhuma
renda
à vista, e famintos, famintos há meses, a
próxima
garrafa era tudo a que nos aferrávamos, era
o
ápice, era Deus.
eu
arrumava um emprego por um ou dois ou até mesmo três ou quatro
dias
mas
chegaria a manhã em que não conseguiria ir
ao
trabalho
e
vez ou outra me pagavam os dias ali na hora
mas
na maior parte do tempo havia uma terrível espera,
tínhamos
que enrolar o gerente do hotel, aquele mesmo
gerente
que telefonava para nossos quartos duas ou três vezes à
noite
pedindo
que por favor parássemos
a
cantoria os palavrões os gritos os sons
de
coisas quebrando
mas
as manhãs de segunda-feira sempre pareciam ser nosso tempo
nossa
folga
e
por volta das 11h30 eu me levantava e descia e
olhava
nas lixeiras e apanhava os dois jornais
dominicais
e
os trazia de volta comigo
e
então os líamos juntos
na
cama: as curiosidades, as notícias do mundo, as
seções
de viagem e variedades, tudo menos
os
classificados, a seção de
empregos…
creio
que encorajávamos um ao outro –
ela
afetava não dar bola
para
nada e eu seguia pelo mesmo
caminho.
depois
dos jornais matutinos batíamos perna pela rua,
ah,
que par!: ela tossindo em torno do
cigarro,
eu com o cabelo desgrenhado, perdido em alguma
vastidão
interior
ou exterior.
encontrávamos
portas: havia a Russa Louca, às vezes
a
sorte estava com ela; havia também Lily Banguela
que
vivia com uma modelo em fim de carreira que de quando
em
quando arrumava um trampo – por vezes eram boas parceiras
de
bebida; ou havia Eddie, o advogado
cassado.
sempre
havia bebida em algum lugar; sempre alguém
com
sorte, e assim como íamos atrás deles
eles
vinham atrás de nós
eles
nos encontravam
e
o que quer que tivéssemos para beber dividíamos
com
eles.
e
sempre havia histórias, principalmente sobre
entrar
e sair da prisão ou sobre aqueles que tinham
morrido:
“lembram aquele cara com uma marca de queimadura no
rosto
que sempre sentava no banco perto da entrada
e
fumava aqueles mata-ratos? bem, ele se...”
sentados
calmamente falando em algum lugar, de hábito
nessas
manhãs de segunda-feira:
“Marty
esteve
fora
por três dias e noites seguidos e quando abriu a
porta
lá estava Edna sentada na cadeira, dura feito
pedra,
devia estar morta há uns dois
dias...”
não
sei, me parecia um tempo bem decente, o sol
brilhava
constante e forte e firme e
as
noites eram melhores, escuras e interessantes noites
porque
então as bebidas estavam no comando e
o
mundo quase parecia um lugar
aceitável.
ainda
assim, é curioso, me lembro bem das segundas,
era
quando os outros começavam suas semanas de
trabalho,
aferrados ao sonho da indústria, uma indústria
que
os cuspiria fora
quando
não fossem mais
necessários.
nós
mesmos já tínhamos nos cuspido fora, incapazes de
acreditar
em nada daquilo, tínhamos nos livrado das ameaças
dos
sombrios soberanos, estávamos bem próximos da
liberdade,
éramos milionários das segundas-feiras e
jamais
poderíamos perder
isso.
sentados
naquelas peças minúsculas
rindo,
falando, engasgando, bebendo, nós
os
ferrados
ali
–
quase
perfeitos, quase sábios mas
não
de todo, isso teria estragado
tudo
– quase mais loucos do que os que haviam
nos
criado –
fizemos
o que
fizemos.
Charles Bukowski, em Miscelânea septuagenária: contos & poemas
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