Alguns
alumbramentos da infância são insuperáveis. Um dos que mais me
impactaram foi abrir um velho exemplar da revista Manchete e
encontrar a foto de um inusitado carioca em ação: Nero Cláudio
César Augusto Germânico. Sim, falo dele mesmo, o imperador romano
morto em 68 d.C., que, nas décadas de 1950 e 1960, baixava no médium
Lourival de Freitas, em Cavalcante, no subúrbio carioca.
Na
foto da revista, ao lado de Lourival, aparece uma médium
incorporando Agripina, a mãe do imperador. Ambos realizavam uma
operação espiritual. Agripina costumava levitar durante as sessões
e, na ausência da lira, Nero – o de Cavalcante – tocava violão,
com repertório especializado em boleros de altíssima voltagem
sentimental, do famoso conjunto Românticos de Cuba.
Coisa
que me impressionou foi a reconciliação após a morte entre Nero e
Agripina. Segundo Suetônio, biógrafo de Nero, a relação dos dois
não era boa, e o imperador acabou mandando matar a genitora; fato
contestado por alguns historiadores. Suetônio diz que Nero tentou
envenenar Agripina, fez o teto do quarto desabar em cima dela
enquanto dormia, sabotou um barco para que ela se afogasse e,
finalmente, depois de sucessivos fracassos, mandou um soldado
esfaqueá-la. Saber que ambos realizavam operações espirituais no
Rio de Janeiro, mil e novecentos anos depois da morte do imperador,
chegou a me comover de certa forma.
Nero,
o que baixava no Rio de Janeiro, chegou a dar entrevistas (a mais
famosa foi para o jornalista Sérgio Cabral, o pai). Costumava
apostar no bicho, invariavelmente no cavalo. Dentre seus pacientes
mais famosos estava Antonio Carlos Jobim. Tom chegou a tomar uísque
com o espírito do imperador.
Segundo
o próprio espírito, grande parte da população da Roma Antiga
tinha reencarnado no subúrbio carioca, entre Cavalcante, Tomás
Coelho, Piedade, Quintino, Engenheiro Leal e Cascadura. Para
Madureira, tinham ido espíritos dos mortos de Constantinopla,
bastante insatisfeitos porque nem a Portela nem o Império Serrano
faziam enredos sobre a ascensão e a queda do Império Bizantino.
Sobre
o episódio mais popular a respeito do imperador, o Nero carioca
negava ter mandado incendiar Roma. Em uma entrevista, chegou a dizer
com sotaque italiano: incendiei nada, malandro. Acha que sou maluco?
Luiz Antonio Simas, em Crônicas exusíacas e estilhaços pelintras
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