terça-feira, 9 de julho de 2024

Nero, o imperador de Cavalcante




Alguns alumbramentos da infância são insuperáveis. Um dos que mais me impactaram foi abrir um velho exemplar da revista Manchete e encontrar a foto de um inusitado carioca em ação: Nero Cláudio César Augusto Germânico. Sim, falo dele mesmo, o imperador romano morto em 68 d.C., que, nas décadas de 1950 e 1960, baixava no médium Lourival de Freitas, em Cavalcante, no subúrbio carioca.
Na foto da revista, ao lado de Lourival, aparece uma médium incorporando Agripina, a mãe do imperador. Ambos realizavam uma operação espiritual. Agripina costumava levitar durante as sessões e, na ausência da lira, Nero – o de Cavalcante – tocava violão, com repertório especializado em boleros de altíssima voltagem sentimental, do famoso conjunto Românticos de Cuba.
Coisa que me impressionou foi a reconciliação após a morte entre Nero e Agripina. Segundo Suetônio, biógrafo de Nero, a relação dos dois não era boa, e o imperador acabou mandando matar a genitora; fato contestado por alguns historiadores. Suetônio diz que Nero tentou envenenar Agripina, fez o teto do quarto desabar em cima dela enquanto dormia, sabotou um barco para que ela se afogasse e, finalmente, depois de sucessivos fracassos, mandou um soldado esfaqueá-la. Saber que ambos realizavam operações espirituais no Rio de Janeiro, mil e novecentos anos depois da morte do imperador, chegou a me comover de certa forma.
Nero, o que baixava no Rio de Janeiro, chegou a dar entrevistas (a mais famosa foi para o jornalista Sérgio Cabral, o pai). Costumava apostar no bicho, invariavelmente no cavalo. Dentre seus pacientes mais famosos estava Antonio Carlos Jobim. Tom chegou a tomar uísque com o espírito do imperador.
Segundo o próprio espírito, grande parte da população da Roma Antiga tinha reencarnado no subúrbio carioca, entre Cavalcante, Tomás Coelho, Piedade, Quintino, Engenheiro Leal e Cascadura. Para Madureira, tinham ido espíritos dos mortos de Constantinopla, bastante insatisfeitos porque nem a Portela nem o Império Serrano faziam enredos sobre a ascensão e a queda do Império Bizantino.
Sobre o episódio mais popular a respeito do imperador, o Nero carioca negava ter mandado incendiar Roma. Em uma entrevista, chegou a dizer com sotaque italiano: incendiei nada, malandro. Acha que sou maluco?

Luiz Antonio Simas, em Crônicas exusíacas e estilhaços pelintras

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