sexta-feira, 12 de julho de 2024

As rãs | 9.




Professor, é com muita vergonha que digo ao senhor que ainda nem peguei na caneta para escrever o roteiro do teatro que o senhor espera há tanto tempo. Os materiais são tantos que me sinto como um cachorro querendo abocanhar uma montanha, sem saber por onde começar. Enquanto imaginava, muitos acontecimentos da vida real relacionados ao tema vieram, um após o outro, destruir minha ideia inicial com sua riqueza dramática. Além disso, o que me deixou num beco sem saída foi ter me envolvido, involuntariamente, num problema enorme. Não sei como me livrar disso, ou seja, não sei como assumir meu papel nesse acontecimento.
Professor, acho que o senhor deve ter adivinhado que tudo aquilo que contei não era fantasia, era fato consumado. Leoazinha finalmente admitiu que roubou meus girinos e fez Chen Sobrancelha engravidar de meu bebê. Senti o sangue subir à cabeça a ponto de não conseguir controlar minha raiva, e dei-lhe uma violenta bofetada. Reconheço que não é certo bater em mulher, sobretudo um homem como eu, com essa coroa de “dramaturgo” na cabeça, não deveria fazer uma barbaridade dessas. Mas, professor, eu estava fora de mim naquele momento.
Depois de me despedir do Cabecinha Chata, o condutor da jangada, comecei a fazer algumas investigações, mas sempre fui barrado pelo segurança nas tentativas de entrar no ranário. Tentei ligar para Yuan Bochecha e meu primo, mas os dois trocaram o número de celular. Interroguei Leoazinha, ela riu da minha maluquice. Imprimi páginas da internet que relatavam o envolvimento do ranário no comércio de barrigas de aluguel e fui à Comissão Municipal de Planejamento Familiar apresentar uma denúncia. Ficaram com os documentos e nunca mais deram resposta. Fui à delegacia de polícia registrar ocorrência, mas o policial que me atendeu disse que não era da competência deles. Liguei para a ouvidoria da prefeitura, o atendente prometeu levar o assunto ao prefeito… Professor, assim se passaram meses. Quando finalmente consegui arrancar a verdade da boca de Leoazinha, o feto na barriga de Chen Sobrancelha já tinha seis meses. Aos cinquenta e cinco anos, eu, sem saber como, me tornei pai de um bebê. Se a gravidez não for interrompida por meio de medicamentos, um método arriscado e brutal, eu com certeza serei pai outra vez. Quando eu era mais jovem, já sacrifiquei a vida da minha falecida mulher Wang Renmei num aborto forçado, e isso é o que mais me dói, um pecado do qual nunca pude me redimir. Agora, mesmo que eu queira manter o sangue-frio, professor, não adianta mais nada, porque nem consigo entrar naquele ranário. Mesmo que eu conseguisse, não teria como encontrar Chen Sobrancelha. Imagino que esse criadouro de rãs deve ter um complicado sistema de passagens secretas que conduzem a um labirinto subterrâneo. Além do mais, pelo que Leoazinha conta, também pressinto que Yuan Bochecha e meu primo têm um pé na máfia; se ficarem zangados, não vão querer saber de parentes nem nada, serão capazes de qualquer coisa.
Quando Leoazinha levou o tapa, deu alguns passos para trás e sentou-se pesadamente no chão. O nariz começou a sangrar. Passou um tempo até ela fazer algum ruído, mas não era choro, era um riso de desdém. Depois falou: “Muito bem! Corre Corre, seu bandido! Como se atreve a me bater, algum cachorro comeu sua consciência? Só fiz isso para seu bem. Você só tem uma filha, nenhum filho. Sem filho homem, seu sangue acaba aqui. E me aflige não poder te dar um filho homem. Para compensar, achei uma barriga de aluguel para você, para você poder ter um filho homem, dar continuidade ao seu sangue, ao seu clã. E em vez de me agradecer, você ainda me bate! Isso me magoa demais…”.
Dizendo isso, ela chorou. As lágrimas escorriam junto com o sangue do nariz. Fiquei com muita pena. Mas bastou lembrar que ela teve a ousadia de esconder de mim um assunto tão grave para meu sangue ferver de novo.
Ela disse, chorando: “Sei que você está com dó de gastar aqueles seiscentos mil iuanes. Não precisa pagar essa conta, vou pagar com a minha aposentadoria. Quando o bebê nascer, você também não precisa criar, vou tomar conta dele. Enfim, não vai ter nada a ver com você. Li no jornal que pagam cem iuanes para cada doação de esperma. Vou te pagar trezentos, como se você tivesse doado esperma uma vez. Pode voltar para Pequim, e fica a seu critério se divorciar ou não, de qualquer jeito essa criança não vai ter nada a ver com você”. Ela passou a mão no rosto e falou como uma guerreira heroica: “Mas se você quiser destruir esse bebê, vou morrer na sua frente”.
Professor, pelas cartas que lhe escrevi, o senhor já deve saber como Leoazinha é geniosa. Depois de batalhar ao lado de minha tia por todo canto, lidar com todo tipo de gente, ela forjou uma personalidade que une heroísmo e malandragem. Essa mulher, quando provocada, é capaz de fazer qualquer coisa. Só me restava confortá-la, usar a razão para explicar, a emoção para comover, tentando achar a maneira mais adequada de resolver esse imbróglio.
Embora a lembrança do aborto me dê calafrios e uma sensação nefasta, ainda tenho a esperança de que essa seja a solução para meu problema. No fundo, o motivo pelo qual Chen Sobrancelha concordou em ser barriga de aluguel, pensei, era financeiro; então, usar o dinheiro para resolver o problema veio como uma solução lógica. A questão essencial era como encontrar Sobrancelha.
Depois daquela vez na enfermaria de Chen Nariz, nunca mais vi a moça. Ela usava um vestido preto, cobria o rosto com um véu preto, seu paradeiro era misterioso, tudo isso me fazia sentir que existia, no Nordeste de Gaomi, um mundo paralelo onde eu jamais havia posto os pés. Nesse mundo viviam cavaleiros, médiuns e gente que cobria o rosto. Lembrei-me que, pouco tempo antes, dei a Li Mão cinco mil iuanes para as despesas médicas de Chen Nariz, e pedi que ele entregasse a Sobrancelha. Dias depois, Mão devolveu o dinheiro e disse que Sobrancelha não quis aceitar. Talvez Sobrancelha estivesse trabalhando como barriga de aluguel justamente para pagar a conta hospitalar do pai. Quando pensei nisso, fiquei ainda mais perturbado. Isso é simplesmente… maldita Leoazinha… melhor eu procurar Li Mão. Dos meus colegas de turma, ele é o único que ainda pode ser considerado normal da cabeça.
Ontem de manhã, naquele canto do restaurante Dom Quixote, sentei com Li Mão frente a frente. Na praça a multidão era um formigueiro e estavam encenando o número do qilin que entrega bebês. O pseudo-Sancho deixou dois chopes na mesa e saiu discretamente para nos deixar a sós. Mão tinha um sorriso bastante ambíguo, parecia prever meu segredo. Quando eu, muito hesitante, contei tudo a ele, Mão começou a rir, insensível.
Você está rindo da desgraça alheia”, reclamei.
Ele levantou seu copo e bateu no meu, tomou um gole generoso e disse: “Que mal há nisso? É uma grande alegria! Parabéns, meu irmão! Ter filho na sua idade é motivo de festa!”.
Pare de gozação”, continuei, preocupado, “posso estar aposentado, mas continuo tendo uma ligação com minha função pública. Como vou justificar para meus superiores o nascimento desse bebê?”
Essa conversa de superior, unidade de trabalho, meu irmão, tudo isso é corda que você mesmo põe em seu pescoço”, disse Li Mão, “o fato que temos diante de nós é uma nova vida, concebida pela combinação de seu esperma com um óvulo, que está prestes a nascer. Não existe alegria maior do que ver o nascimento de uma vida carregando seus próprios genes. Esse nascimento é a continuação de sua vida.”
Mas o problema essencial”, interrompi, “é que depois que esse bebê nascer, onde é que vou poder fazer o registro?”
Esse detalhe é tão complicado para você? Os tempos são outros, hoje em dia, com dinheiro, praticamente não há coisa que não se consiga fazer. Além do mais, mesmo sem esse registro, ele já existe neste planeta como ser humano, algum dia vai desfrutar de todos os direitos de um cidadão.”
Já chega, irmãozinho, vim até aqui para achar uma solução, mas você só fica com essa conversa mole. Nessa minha volta à aldeia, percebi que todos vocês, não importa o grau de escolaridade, falam de um jeito teatral! Com quem aprenderam isso?”
Ele riu: “Mas assim é uma sociedade civilizada! Numa sociedade civilizada, todo mundo é ator, de teatro, filme, telenovela, ópera, diálogo cômico, esquete, cada um está no seu papel, a sociedade não é um grande palco?”.
Pare com essa conversa fiada”, eu disse, “pense logo numa solução. Não me diga que quer me ver chamando Chen Nariz de sogro!”
Qual é o problema de chamar Nariz de sogro? O sol vai se apagar? O mundo vai parar de girar? Vou te dizer uma verdade: não pense que todas as pessoas do mundo estão interessadas na sua vida. Você acredita que está todo mundo de olho em você, não é? Mas na verdade cada um tem suas preocupações, ninguém quer saber desse seu problema. Se você vai ter um filho com a filha de Chen Nariz ou ter uma filha com outra mulher, é tudo problema seu. Mesmo que alguns intrometidos venham a comentar, é tudo passageiro, é névoa, sopra um vento e acabou. O mais importante é o bebê ser sangue do seu sangue, seu nascimento já é um grande lucro.”
Mas eu e Nariz… isso parece até incestuoso!”, comentei.
Bobagem! Você não tem nenhum laço de sangue com Sobrancelha, que incesto é esse? Quanto à idade, isso importa menos ainda. Quando um velho de oitenta anos se casa com uma moça de dezoito não é uma notícia boa, daquelas que todo mundo sai espalhando? E você nem mesmo viu o corpo de Sobrancelha, ela é como uma ferramenta, você alugou e usou, ponto final. Enfim, meu irmão”, ele disse, “pare de pensar demais e achar mais perturbações. Cuide de sua saúde e se prepare para criar seu filho.”
Pare com esse papo furado”, eu disse apontando para meus lábios cheios de bolhas, “a ansiedade está me consumindo! Como velho colega de escola, peço que você dê um recado a Sobrancelha: diga a ela para interromper imediatamente a gravidez. Vou pagar a taxa de aluguel conforme combinado e mais dez mil iuanes para compensar os danos físicos eventualmente causados pelo aborto. Se ela achar pouco, posso pagar mais dez mil.”
Para que isso? Já que você está disposto a gastar dinheiro, espere até ela ter seu filho e gaste seu dinheiro para abrir os canais do registro oficial do bebê e ser um pai de pleno direito.”
Mas não posso explicar isso a meus superiores.”
Mas você se acha muito importante mesmo, não é?”, ironizou Li Mão. “Acredita que seus superiores têm tempo para se importar com sua vida. Quem você acha que é? Você só escreveu algumas porcarias de teatro que ninguém assistiu. Acredita que isso faz de você um membro da casa imperial? O nascimento de seu filho será comemorado pelo país inteiro?”
Nisso, entraram uns mochileiros curiosos para olhar o restaurante, o pseudo-Sancho foi rolando como uma bola para recebê-los com um sorriso. Baixei minha voz e disse: “Só te peço que me ajude desta única vez em toda a minha vida”.
Ele cruzou os braços e balançou a cabeça com aquela expressão de “sinto muito”.
Seu desgraçado, quer ficar assistindo enquanto eu pulo nesse abismo de fogo?”
Você está me pedindo para te ajudar num assassinato.” Ele também baixou a voz: “Um feto de seis meses já consegue chamar pelo papai lá dentro da barriga!”.
Vai me ajudar ou não?”
Acha que consigo encontrar Sobrancelha?”
Em todo caso, você consegue encontrar Nariz. Dê a ele meu recado, deixe que ele fale com a filha.”
É fácil falar com Nariz”, disse Li Mão, “ele pede esmola todos os dias na frente do templo. No fim da tarde, vem beber aqui com o dinheiro que conseguiu durante o dia e leva um pão grátis. Pode ficar sentado aqui até ele aparecer ou ir procurá-lo ali na frente. Mas espero que não fale nada, mesmo que falasse, só iria gastar saliva. Se você ainda tiver alguma compaixão, não vai torturá-lo com essas coisas. Em todos esses anos, aprendi que a melhor forma de resolver problemas espinhosos é esperar para ver como as coisas se desdobram e levar o barco conforme a corrente.”
Bem”, eu disse, “então vou levar o barco conforme a corrente.”
Meu irmão, quando o bebê completar um mês, vou dar um banquete para comemorar.”

Mo Yan, em As rãs

Nenhum comentário:

Postar um comentário