sábado, 25 de maio de 2024

Parte IV | 5.


Acompanhei Leoazinha numa visita à Maternidade Jiabao, um consórcio sino-americano. Ela sempre quis um emprego lá, mas infelizmente nunca achou um jeito de conseguir.
Assim que entramos no saguão, senti que não parecia um hospital, mas sim um clube exclusivo de alto padrão. Apesar de estarmos em pleno verão, soprava ali um vento frio, a temperatura era agradável. Escutavam-se músicas de fundo, agradáveis e suaves, e pairava no ar o aroma de flores frescas. Na parede oposta à entrada, estava fixado o emblema azul-claro do hospital, e uma inscrição em cor-de-rosa que dizia: UM COMPROMISSO PARA A VIDA TODA, COM CONFIANÇA TOTAL. Duas moças bonitas, de jaleco e chapeuzinho brancos, atendiam os clientes, com sorriso amável e voz meiga.
Uma mulher de meia-idade, de jaleco e óculos brancos, aproximou-se e perguntou, cordial: “Em que posso ajudá-los?”.
Nada, estamos só olhando”, respondi.
A mulher nos levou à área de espera no lado direito do saguão, onde havia poltronas de vime espaçosas e uma estante rústica cheia de revistas luxuosas sobre o tema materno-infantil. Na mesinha, havia livros ilustrados, com impressão caprichada, sobre o hospital.
A mulher trouxe dois copos de água gelada do bebedouro e nos deixou a sós, sempre sorridente.
Ao abrir um desses livros, vi a imagem de uma doutora de meia-idade, com a testa brilhante, sobrancelhas compridas e delicadas, olhar gentil, um par de óculos sem armação sobre o nariz, dentes brancos e ordenados e um sorriso lindo. Levava no peito um crachá com foto. Sobre seu ombro esquerdo, lia-se: “A Maternidade Sino-Americana Jiabao é um novo modelo de estabelecimento que atende suas demandas. Aqui não há a sensação de frieza, mas um ambiente aconchegante, harmonioso, sincero e familiar, onde você vai vivenciar um serviço verdadeiramente digno da nobreza…”. Sobre seu ombro direito, lia-se: “Observamos rigorosamente a Declaração de Genebra da Associação Médica Mundial de 1948 — exercer nossa profissão com consciência e dignidade; fazer da saúde dos pacientes nossa primeira preocupação; respeitar os segredos a nós confiados; manter, por todos os meios ao nosso alcance, a honra e as nobres tradições da profissão médica…”.
Olhei discretamente para Leoazinha e vi que ela folheava o livro do hospital e franzia com força as sobrancelhas.
Virei a página e vi uma obstetra de ar solene e confiável medindo com fita métrica a barriga saliente e lisa de uma gestante. A paciente tem cílios longos, nariz afilado, charmosos lábios carnudos, rosto corado, sem nenhum traço da fadiga ou da palidez das grávidas. Uma linha de texto atravessa o braço da médica e se estende sobre a barriga da paciente: “Mantemos o mais elevado respeito pela vida humana desde o momento da concepção”.
Um homem de estatura mediana, cabelos ralos e roupas esportivas de grife entrou no saguão com passos apressados. Pela expressão autoconfiante e a barriga um pouco proeminente, percebi tratar-se de um homem importante, se não fosse um alto funcionário, devia ser milionário. Evidentemente também podia ser um alto funcionário milionário. Com o braço esquerdo, enlaçava suavemente uma jovem alta e elegante, cuja cintura delicada balançava dentro de um gracioso vestido de seda amarelo-claro. Meu coração palpitou, porque reconheci que era Jovem Bi, a multitalentosa funcionária administrativa que Yuan Bochecha e meu primo contrataram para o ranário. Baixei minha cabeça às pressas e cobri mais da metade do rosto com o livro na mão.
Virei outra página, no canto inferior direito, sob uma linda barriga bojuda, havia cinco bebês nus sentados em fileira. Todos inclinavam a cabeça para a esquerda, como se alguém chamasse sua atenção naquela direção. As cabeças redondinhas, as bochechas rechonchudas, formavam um arco adorável. Embora não desse para ver suas expressões, aquele arco lembrava um sorriso inocente. Dos seus cabelos, três eram mais ralos, dois mais densos, dois pretos, um louro, outros dois castanho-claros. Todos tinham orelhas grandes, sinal de boa sorte. O bebê que consegue ter sua foto impressa nesse material deve ser muito afortunado. Aparentam ter cinco meses, mal conseguem ficar sentados, ainda não encontram uma boa posição, curvam a cintura. Todos são gordinhos como leitõezinhos roliços, na fresta de seus braços dá para ver a barriguinha rotunda. Os bumbuns ficaram espremidos e achatados, é graciosa a dobra entre as duas nádegas. No espaço à esquerda deles, um parágrafo de uma dúzia de linhas dizia: “Nosso serviço de obstetrícia, centrado na família, valoriza a comunicação entre gestantes ou parturientes e a equipe médica de alto nível, além de enfatizar a educação médica das pacientes”.
Aquele homem e Jovem Bi conversaram brevemente com uma atendente na recepção e foram conduzidos por uma moça elegante até o lado esquerdo do saguão. Era a área de espera reservada a VIPs, com um conjunto de sofás de espaldar alto, vermelho-tijolo. Na mesinha da frente havia um vaso com rosas cor de vinho. Mal se sentaram, o homem deu um espirro que quase me fez pular da poltrona. Esse espirro, afetado mas com um toque pessoal, parecia a explosão de um detonador, que ativou minha memória. Será que é ele?
Conforme a fase de gravidez, médicos conduzirão conversas detalhadas com a paciente e sua família sobre as condições da mãe e do feto, a nutrição e os exercícios da gestante, entre outros temas.”
Queria muito comunicar minha descoberta a Leoazinha, mas ela folheava o livro com impaciência e resmungava: “E ainda chamam isso de hospital… Quem é que pode se dar ao luxo de ficar num hospital desses?…”. Ela estava de costas para o homem e Jovem Bi, completamente alheia a sua presença.
Talvez achando que o lugar chamava muita atenção, ele se levantou, pegou o braço de Jovem Bi e foi com ela em direção à cafeteria localizada no fundo do saguão. Uma divisória simples a separava do resto da sala, com alguns vasos de costelas-de-adão verdejantes e um frondoso fícus que quase encostava no teto. As paredes internas eram forradas de papel que imitava tijolos vermelhos, havia uma lareira. Na parede atrás do bar, nichos quadriculados cheios de bebidas finas. Um rapaz bonito, de gravata-borboleta preta, preparava o café. O aroma de grãos de alta qualidade, misturado à fragrância das flores, chegou até nós trazendo bafejos de sofisticação.
Além disso, o hospital oferece uma simulação de parto no terceiro trimestre de gestação, nossos médicos e enfermeiros, conforme suas condições físicas, elaborarão com você um plano de parto, e um curso para a futura mãe, tudo isso visa reforçar os detalhes de comunicação, proporcionando à gestante e à parturiente oportunidades de expressar plenamente suas demandas, preocupações e dúvidas…”
Sentado ali, com uma xícara de café na mão, ele conversava cordialmente com Jovem Bi. Era ele, era ele mesmo! Uma pessoa até poderia modificar seu tom de voz, mas jamais o som espontâneo de um espirro. Uma pessoa bem que poderia fazer plástica para aumentar as dobrinhas na pálpebra, mas cirurgia nenhuma, por melhor que seja, mudará seu jeito de olhar. A uma distância de vinte metros de mim, ali estava ele conversando e rindo distraído, sem imaginar que um amigo de infância o observava. E assim, aquele Xiao Lábio Inferior, sem dobrinha na pálpebra, cruel e impiedoso, aos poucos transparecia no corpo daquele homem rico.
Sem chance!” Leoazinha jogou o folheto na mesinha, recostou-se na poltrona e disse com frustração: “Todos têm doutorado nos Estados Unidos, mestrado na França, lecionam em faculdades de medicina… A melhor equipe médica do país… Eu, aqui, só serviria para lavar privada…”.
Embora fôssemos conterrâneos, embora tivéssemos morado em Pequim por longo tempo, nunca o tinha visto antes. Ainda me lembro que, quando ele se formou na universidade, o pai dele saiu às ruas gritando: “O meu filho vai trabalhar no Conselho de Estado!”. Mais tarde ouvi dizer que, depois de alguns anos naquele órgão, ele virou assessor de um ministro. Em algum momento ele foi despachado como secretário adjunto do Partido para não sei onde e, por fim, dizem que se tornou empresário, trabalhava com desenvolvimento imobiliário e ficou rico, tinha bilhões na conta…
A mesma moça elegante que os havia conduzido foi encontrá-los e levou-os para o fundo do saguão. Fechei o livro e vi na contracapa as mãos de uma médica e de uma paciente carinhosamente sobrepostas na barriga saliente. O texto acima da foto dizia: “Consideramos a gestante e seu bebê membros de nossa própria família, fazemos nosso serviço com extrema atenção a cada detalhe. Nesta casa você vai experimentar o ambiente mais aconchegante, usufruir da mais zelosa atenção e dos melhores cuidados”.
Saímos do hospital e Leoazinha, angustiada, maldizia sem parar as modernidades através de pontos de vista anacrônicos, repletos de conotações políticas. Como eu tinha outra coisa em mente, não quis dizer nada. Mas a ladainha ainda iria longe e já estava difícil de aguentar, daí intervim: “Tudo bem, minha senhora, pare de azedar as uvas!”.
Por incrível que pareça, ela não ficou chateada. Só deu um sorriso amarelo: “Uma médica caipira como eu só serve para criar rãs na empresa de Yuan Bochecha”.
Voltamos para cá a fim de curtir a aposentadoria, não para trabalhar”, lembrei.
Mas precisamos achar uma ocupação. E se eu trabalhar de babá de recém-nascidos?”
Pare com isso. Sabe quem eu vi agora há pouco?”
Quem?”
Xiao Lábio Inferior, agora conhecido como Xiao Verão-Primavera. Ele fez plástica, mas consegui reconhecê-lo assim mesmo.”
Não é possível! Agora que está rico, por que voltaria para cá? Será que você não se enganou?”
Meus olhos até poderiam se enganar, mas meu ouvido não. Aquele espirro dele, ninguém no mundo consegue fazer igual. Além do mais, seu jeito de olhar e de rir não mudou nada.”
Quem sabe ele voltou para investir? Dizem que o distrito pode ser integrado ao município de Qingdao, se isso for verdade, o preço da terra e dos imóveis vai disparar!”
Mas sabe quem estava com ele?”, perguntei.
Como vou saber?”
Era Jovem Bi.”
Quem?”
Jovem Bi, a moça que trabalha no ranário de Bochecha.”
Oh, assim que botei os olhos nela sabia que era uma vadia! Deve ter alguma sujeira entre essa moça, seu primo e Yuan Bochecha.”

Mo Yan, in As rãs

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