Contenho
vocação pra não saber línguas cultas.
Sou
capaz de entender as abelhas do que alemão.
Eu
domino os instintos primitivos.
A
única língua que estudei com força foi a portuguesa.
Estudei-a
com força para poder errá-la ao dente.
A
língua dos índios Guatós é múrmura: é como se ao dentro de suas
palavras
corresse um rio entre pedras.
A
língua dos Guaranis é gárrula: para eles é muito mais importante
o rumor
das
palavras do que o sentido que elas tenham.
Usam
trinados até na dor.
Na
língua dos Guanás há sempre uma sombra do charco em que vivem.
Mas
é língua matinal.
Há
nos seus termos réstias de um sol infantil.
Entendo
ainda o idioma inconversável das pedras.
É
aquele idioma que melhor abrange o silêncio das palavras.
Sei
também a linguagem dos pássaros — é só cantar.
Manoel de Barros, in Ensaios fotográficos
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