Nas
histórias conto, por prazer ou ofício, não cabem grandes batalhas,
feitos extraordinários, líderes políticos, gênios da humanidade,
efemérides da pátria e similares. Esclareço, portanto, para abrir
a gira.
Acontece
que não me sinto confortável nos jantares requintados, dentro de
ternos bem cortados, nos salões da academia ou nos templos
suntuosos. Como diz um velho ponto de encantaria, para chamar os
boiadeiros que moram nos ventos, “uma é maior, outra é menor, a
miudinha é a que nos alumeia / pedrinha miudinha de Aruanda êh!”.
Eu sou maravilhado pelas pedrinhas miudinhas, nelas me vejo e delas
faço meu pertencimento.
Interessam-me
foliões anônimos, bêbados líricos, jogadores de futebol de
várzea, clubes pequenos, putas velhas, caminhoneiros, retirantes,
devotos, iaôs, ogãs, ajuremados, feirantes, motoristas, capoeiras,
jongueiros, pretos velhos, violeiros, cordelistas, mestres de
marujada, moças do Cordão Encarnado, meninos descalços, goleiros
frangueiros e romances de subúrbio, embalados ao som de uma velha
marcha-rancho, triste de marré deci, que ninguém mais canta.
É
pela aproximação amorosa, pelo ato de acariciar com devoção
sagrada – amor, eu diria – as pedrinhas miúdas, que me ilumino
no mundo. Os olhos brasileiros são os únicos que tenho para mirar
os dias. É com eles que eu busco conhecer e, mais do que isso, me
reconhecer, na aldeia dos meus pais e do meu filho – terra das
alegrias na fresta, das canções de gentilezas e dos fuzuês onde,
amiúde, não se imaginaria, de tão escassa, a vida.
O
resto são as coisas e pessoas poderosas – inimigas dos rios e das
ruas – e suas irrelevâncias.
Luiz Antonio Simas, in Pedrinhas miudinhas, Ensaios sobre ruas, aldeias e terreiros
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