Capim
sabe Ler? Escrever? Já viu cachorro Letrado, científico? Já viu
juízo de valor? Em quê? Não quero aprender, dispenso.
Deixa
pra gente que é moço. Gente que tem ainda vontade de doutorar. De
falar bonito. De salvar vida de pobre. O pobre só precisa ser pobre.
E mais nada precisa. Deixa eu, aqui no meu canto. Na boca do fogão é
que fico. Tô bem. Já viu fogo ir atrás de sílaba?
O
governo me dê o dinheiro da feira. O dente o presidente. E o
vale-doce e o vale-Linguiça. Quero ser bem ignorante. Aprender com o
vento, tá me entendendo? Demente como um mosquito. Na bosta ali, da
cabrita. Que ninguém respeita mais ii bosta do que eu. A química.
Tem
coisa mais bonita? A geografia do rio mesmo seco, mesmo esculhambado?
O risco da poeira? O pó da água? Hein? O que eu vou fazer com essa
cartilha? Número?
Só
para o prefeito dizer que valeu a pena o esforço? Tem esforço mais
esforço que o meu esforço? Todo dia, há tanto tempo, nesse
esquecimento. Acordando com o sol. Tem melhor bê-á-bá? Assoletrar
se a chuva vem? Se não vem?
Morrer
já sei. Comer, também. De vez em quando, ir atrás de preá, caruá.
Roer osso de tatu. Adivinhar quando a coceira é só uma coceira, não
uma doença. Tenha santa paciência!
Será
que eu preciso mesmo garranchear meu nome? Desenhar só para a
mocinha aí ficar contente? Dona professora, que valia tem meu nome
numa folha de papel, me diga honestamente. Coisa mais sem vida é um
nome assim, sem gente. Quem está atrás do nome não conta?
No
papel, sou menos ninguém do que aqui, no Vale do Jequitinhonha. Pelo
menos aqui todo mundo me conhece. Grita, apelida. Vem me chamar de
Totonha. Quase não mudo de roupa, quase não mudo de lugar. Sou
sempre a mesma pessoa. Que voa.
Para
mim, a melhor sabedoria é olhar na cara da pessoa. No focinho de
quem for. Não tenho medo de linguagem superior. Deus que me ensinou.
Só quero que me deixem sozinha. Eu e a minha língua, sim, que só
passarinho entende, entende?
Não
preciso ler, moça. A mocinha que aprenda. O prefeito que aprenda. O
doutor. O presidente é que precisa saber Ler o que assinou. Eu é
que não vou baixar a minha cabeça para escrever.
Ah,
não vou.
Marcelino Freire, in Contos Negreiros
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