A
casa ficava na parte mais elevada da estreita faixa de terra entre o
porto e o mar aberto. Tinha resistido a três furacões e era sólida
como um navio. Protegida pela sombra de altos coqueiros pensos pelo
vento alísio, podia-se abrir a porta do lado do oceano, descer o
barranco, atravessar a areia branca e mergulhar na Corrente do Golfo.
Quando não havia vento, a água da Corrente era azul-escura. Mas à
medida que se avançava mar adentro, criava uma transparência verde
sobre a branca areia porosa, tornando possível avistar a sombra de
qualquer peixe graúdo muito antes que sequer se avizinhasse da
praia.
Um
lugar seguro e bonito para tomar banho durante o dia, mas não para
nadar à noite. De noite os tubarões rondavam a beira à caça de
presas na orla da Corrente; da varanda superior da casa, nas noites
calmas, ouvia-se o chapinhar do peixe que abocanhavam e indo-se até
a praia enxergava-se o rastro fosforescente que deixavam na água. De
noite os tubarões eram mais atrevidos, e todo mundo os temia. De
dia, porém, mantinham-se a distância da clara areia branca, e, caso
se animassem a se aproximar, percebia-se logo sua sombra com grande
antecedência.
Um
homem chamado Thomas Hudson, que era bom pintor, morava naquela casa,
trabalhando ali e na ilha a maior parte do ano. Depois de se morar
bastante tempo nessas paragens, a mudança das estações adquire
tanta importância como noutros lugares, e Thomas Hudson, que amava a
ilha, não queria perder nenhuma primavera, verão, outono ou
inverno.
Às
vezes o calor do verão ficava intenso demais, quando o vento
diminuía em agosto ou quando os alísios deixavam ocasionalmente de
aparecer em junho e julho. Os furacões também podiam sobrevir em
setembro e outubro, e a qualquer momento, a partir de julho, eram
capazes de armar-se inesperadas tempestades tropicais. Mas livre de
vendavais, os meses mais sujeitos a furacão têm um clima ótimo.
Thomas
Hudson tinha estudado as tempestades tropicais durante vários anos,
e bastava-lhe olhar o céu para saber quando haveria uma perturbação
atmosférica, muito antes que o barômetro indicasse sua presença.
Sabia traçar o gráfico dos temporais e as precauções que devia
tomar contra eles, como também sabia o que significa enfrentar um
furacão com os demais habitantes da ilha e o laço que se estabelece
entre todas as criaturas que passam por essa experiência. E mais:
que os furacões podiam ser tão devastadores que nada conseguiria
sobrevivê-los. Porém sempre imaginou que, se algum dia irrompesse
um dessas proporções, gostaria de se encontrar ali para desaparecer
junto com a casa.
Ela
lembrava quase tanto um navio quanto uma casa. Colocada ali para
resistir às tempestades, incrustava-se na ilha como se fosse parte
integrante dela; mas de todas as janelas descortinava-se o mar e era
muito arejada, de modo que não se sentia calor nem nas noites mais
quentes. Pintada de branco para ficar bem fresca no verão, podia-se
avistá-la de longe, na Corrente do Golfo. Era o ponto culminante da
ilha, com exceção da extensa plantação de altos pés de
casuarina, a primeira coisa que se enxergava ao se acercar da ilha
por via marítima. Logo depois da mancha escura das casuarinas acima
da linha do horizonte, via-se o vulto branco da casa. Aí então, à
medida que se chegava mais perto, a ilha emergia inteira, com os
coqueirais, as cabanas de madeira, a faixa branca da praia, e o verde
da Ilha Sul se estendendo ao fundo. Thomas Hudson nunca avistava
aquela casa na ilha sem que ficasse tomado por uma sensação de
felicidade. Sempre a imaginava exatamente como um barco. No inverno,
quando soprava o vento norte e esfriava de fato, ela era quente e
confortável porque possuía a única lareira na ilha. Uma vasta
lareira aberta onde Thomas Hudson queimava sarrafos lançados à
praia pelas ondas.
Guardava-os
numa pilha enorme, encostados à parede do lado sul da casa. Estavam
esbranquiçados de sol, cobertos de areia trazida pelo vento, e ele
se afeiçoava tanto a vários pedaços que até sentia ódio de ter
que queimá-los. Mas depois das grandes tempestades sempre surgiam
outros na praia, e terminava achando divertido queimar mesmo os
pedaços de que mais gostava. Sabia que o mar traria novos e nas
noites frias sentava na ampla poltrona diante do fogo, lendo à luz
do lampião pousado na grossa mesa de tábuas, interrompendo a
leitura para escutar o noroeste soprando lá fora, o estrondo da
rebentação, e contemplar os enormes sarrafos esbranquiçados a
arder.
Às
vezes apagava o lampião e deitava em cima do tapete no chão,
detendo-se a fitar as pontas coloridas que o sal marinho e a areia
desenhavam nas chamas enquanto a lenha ardia. Deitado, seus olhos
nivelavam com a altura da madeira que queimava, tornando nítida a
linha de separação entre a chama e os sarrafos, o que o deixava ao
mesmo tempo triste e alegre. Toda madeira que queimasse o afetava
desse modo. Mas os sarrafos trazidos pelo mar a arder ali no fogo
causavam-lhe uma sensação que não conseguia definir. Achou que
talvez fosse erro queimá-los, uma vez que gostava tanto deles; mas
não tinha remorsos por causa disso.
Ao
deitar-se no chão sentia-se protegido contra o vento, embora, na
realidade, o vento açoitasse até os cantos inferiores da casa, a
grama mais baixa da ilha, infiltrando-se pelas raízes da vegetação
rasteira da praia, pelos carrapichos e pela própria areia. No chão,
podia sentir a batida da rebentação tal como se lembrava de ter
sentido o disparo de poderosos canhões quando se jogava por terra
perto de uma peça de artilharia há muitos e muitos anos, quando
ainda era menino.
A
lareira era uma coisa formidável; no inverno e durante todos os
outros meses contemplava-a com carinho, imaginando como seria quando
o inverno chegasse de novo. O inverno era a melhor de todas as
estações na ilha, e aguardava-o com impaciência o resto do ano
inteiro.
Ernest Hemingway, in As ilhas da corrente
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