quinta-feira, 11 de abril de 2024

A Contadora de Filmes | [15]


Um dos problemas do cinema da Mina era que constantemente cortavam o filme. Quando isso acontecia desabava um alvoroço na sala. O público, vaiando e sapateando, provocava um ruído tremendo, culpava o ancião operador, conhecido pela insolência e o mau humor, reclamava da antiguidade das máquinas.
Vão reclamar para o Caralho, bando de idiotas!”, gritava ele pela janelinha da salinha de projeção. O Caralho era o concessionário do cinema, um espanhol que também tinha uma loja de roupas e administrava o matadouro.
No fim, os únicos que perdiam éramos nós, os espectadores, porque sempre, ao recomeçar o filme, várias cenas tinham sido escamoteadas. Para mim, em todo caso, isso era o de menos. Em casa, não encontrava problema algum em imaginar ou inventar os acontecimentos que haviam sido garfados.
A mesma coisa costumava acontecer quando o Manco Filmeiro, como era chamado o operador, se confundia com os rolos de filme – principalmente quando ele tinha mergulhado nos copos – e víamos o final na metade do filme.
Ou o princípio no final.
Ou o meio no começo.
Tudo virava uma balbúrdia e ninguém entendia porra nenhuma.
Mesmo com esses percalços, embora ficasse um tanto mais complicado, também não era muito difícil para mim organizar a história na minha mente e depois contá-la do começo ao fim, como cabia a mim.
Acho que no fundo eu tinha alma de fuxiqueira, pois além de tudo me bastava bater os olhos nas duas ou três fotos pregadas no cartaz – pelo olhar lascivo do padre, o sorrisinho inocente da menina ou o gesto cúmplice da beata – para poder inventar uma trama, imaginar uma história inteira e passar o meu próprio filme.

Hernán Rivera Letelier, in A Contadora de Filmes

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