Logo
depois de passar pelo leito seco do rio, Clay apertou a mão de
Michael Dunbar no escuro, e ambos estavam com o coração rugindo nos
ouvidos. A terra resfriava. Por um momento, imaginou o rio entrando
em erupção naquele momento, só para ter algum barulho, alguma
distração. Algum assunto.
Cadê
a maldita água?
Mais
cedo, assim que se viram, trocaram olhares e viraram o rosto. Foi só
a poucos metros de distância que enfim se olharam por mais do que um
segundo.
O
chão parecia vivo.
A
escuridão era definitiva, mas, ainda assim, não havia barulho
algum.
— Quer
ajuda com as malas?
— Não,
obrigado.
A
mão do pai estava úmida e fria de uma maneira desagradável. Os
olhos nervosos mal piscavam. O rosto era impassível; ele caminhava
com exaustão e mal se ouvia sua voz. E ainda assim Clay conseguia
ouvir. Ele a conhecia muito bem.
Quando
eles foram para casa e se sentaram no degrau da varanda, o Assassino
murchou. Amparou a cabeça nos braços.
— Você
veio.
Sim,
pensou Clay. Eu vim.
Se
fosse qualquer outra pessoa, ele teria afagado suas costas, dizendo
que estava tudo bem.
Mas
com o pai não conseguia.
Sua
mente só produzia e reproduzia um mesmo pensamento.
Eu
vim. Eu vim.
Dessa
vez, isso teria que bastar.
***
Depois
que o Assassino se recuperou, ainda passaram um bom tempo sentados
ali até entrarem. Quanto mais de perto se olhava, mais incômoda
parecia a casa.
Calhas
enferrujadas, pintura descascando.
Virulentas
ervas daninhas por toda a volta.
Diante
deles, a lua brilhava, banhando a entrada deteriorada.
Lá
dentro, havia paredes bege e uma forte lufada de vazio; tudo cheirava
a solidão.
— Vai
um café?
— Não,
obrigado.
— Chá?
— Não.
— Alguma
coisa pra comer?
— Não.
Ficaram
sentados na silenciosa sala de estar. Uma mesinha de centro estava
quase desabando sob o peso de livros, diários e plantas da ponte. Um
sofá engoliu ambos, pai e filho.
Meu
Deus.
— Desculpe...
Está sendo um choque e tanto, não é?
— Tranquilo.
Eles
estavam se dando superbem.
***
Por
fim, levantaram-se outra vez, e o menino foi levado em um tour
pela casa.
Não
durou muito, mas era útil conhecer o lugar em que dormiria e saber
onde ficava o banheiro.
— Vou
deixar você desfazer as malas e tomar um banho, se quiser.
Em
seu quarto havia uma escrivaninha de madeira, onde ele arrumou todos
os livros, um por um. Guardou as roupas no armário e se sentou na
cama. Tudo que queria era estar em casa outra vez. Tinha vontade de
chorar só de pensar em passar por aquela porta. Ou em se sentar no
telhado com Henry. Ou em ver Rory cambaleando pela rua Archer,
carregando nas costas as caixas de correio da vizinhança inteira...
— Clay?
Ele
ergueu a cabeça.
— Vem
comer alguma coisa.
Sua
barriga estava roncando.
Inclinou-se
para a frente, com os pés colados ao chão.
Segurou
a caixa de madeira, pegou o isqueiro e olhou para El Matador
no quinto, para o pregador recém-colhido.
Por
diversos motivos, Clay não conseguia se mexer.
Por
enquanto não, mas em breve.
Markus Zusak, in O construtor de pontes
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