terça-feira, 5 de março de 2024

A Contadora de Filmes | [10]


Devo confessar que nunca imaginei que seria a vencedora do concurso de quem contava melhor um filme. É que meu irmão Mirto, o segundo, apelidado de Pássaro, que em casa era o responsável pelas compras, era o favorito de todo mundo. Ele sempre foi alegre e falastrão e passava o dia contando coisas que aconteciam com ele; tinha muito senso de humor.
Já meu irmão Mariano, o mais velho, que por causa de sua gagueira era chamado de Caterpillar – ele se encarregava de cozinhar, apesar de ser o mais inteligente de todos, e “mais sério que cabo de polícia”, como dizia meu pai –, não tinha nenhuma possibilidade, por causa de sua fala quebrada. O coitado tinha começado a gaguejar quando nossa mãe foi-se embora.
Meu irmão Manuel, o terceiro (era quem cuidava da limpeza), nem gostava muito de cinema. Para ele, o que mais importava no mundo era o futebol; era um peladeiro impenitente; suas partidas duravam o dia inteiro, o primeiro tempo de manhã e o segundo de tarde, com um breve intervalo para o almoço. Por causa de seu hábito de fazer um montinho de terra cada vez que ia chutar a bola, foi apelidado de Morrinho.
No deserto, todo mundo exibia com orgulho a condecoração de um apelido; quem não tinha apelido era um nonato, um zé ninguém, não existia.
Meu quarto irmão, Marcelino, o Cabeça de Livro, tinha alma de artista. Gostava de desenhar e pintar com lápis de cor. Em casa era mais para o calado, gostava mais de ouvir que de falar. E sua única tarefa era tirar o lixo.
Depois vinha eu, e, por ser mulher, ninguém dava um tostão por mim. Eles achavam que as mulheres só prestavam para fazer as camas e lavar os pratos – daí que eu cuidava da casa – e por isso não tinha a menor chance. Acontece que havia três coisas que me davam vantagem em cima deles, embora nem eu mesma soubesse. A primeira é que eu devorava os quadrinhos de Hopalong Cassidy, de Gene Autry, de Kid Colt e todos os heróis do Velho Oeste, e eles não liam nada. A segunda é que eu era louca pelas novelas de rádio, uma paixão que tinha herdado da minha mãe, que, comigo nos braços, jamais perdia um capítulo de Esmeralda, a filha do rio. E a terceira era uma coisa que até papai ignorava: quando eu era muito pequena, minha mãe me fazia dormir contando para mim filmes românticos – os seus favoritos –, coisa que não fez com nenhum dos meus irmãos.
Essas coisas são mais nossas, das mulheres”, dizia ao me dar uma piscada de cumplicidade que eu adorava.

Hernán Rivera Letelier , in A Contadora de Filmes

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