terça-feira, 20 de fevereiro de 2024

A Contadora de Filmes | 8




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As casas do povoado, como em todos os salitrais do deserto, definiam perfeitamente as três classes sociais que imperavam: as casas de chapas de zinco dos peões, as casas de adobe dos empregados, e os luxuosos chalés dos gringos.
A nossa casa era um barracão de zinco carcomido dividido em três partes. A primeira era a “sala de visitas”, como todo mundo dizia (embora em nossa casa nunca tenha havido visitas). A segunda servia de dormitório, e a terceira parte, a lá do fundo, de cozinha e sala de jantar. No dormitório cabiam exatamente as três camas de ferro forjado que a gente tinha. Numa, dormia meu pai; na outra, meus três irmãos maiores; e na terceira, meu irmão Marcelino e eu.
Eu, virada para a cabeceira; ele, para o pé da cama.
Do maior para o menor, os nomes de meus irmãos eram Mariano, Mirto, Manuel e Marcelino. O meu é Maria Margarita. Como já devem ter percebido, meu pai tinha uma fixação por nomes que começavam com eme. Isso, desde que, segundo ouvi ele mesmo contar certa vez, percebeu que, além dele se chamar Medardo, sua mãe se chamava Martina e seu pai, Magno.
Hoje, acho que a única razão que fez meu pai se casar com minha mãe foi ela se chamar Maria Magnólia. É que eles não tinham afinidade alguma, não se pareciam em nada. Eram feito água e óleo. Além do mais, meu pai tinha uma diferença de vinte e cinco anos a mais do que ela.
Era assim que se usava antigamente no campo”, ouvi minha mãe dizer, num suspiro de desencanto, quando uma vizinha achou estranho aquele contraste de idades.

Hernán Rivera Letelier, in A Contadora de Filmes

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