Escrevendo
praticamente a vida toda, a máquina de escrever ganha uma
importância enorme. Irrito-me com esta auxiliar ou então
agradeço-lhe fazer o papel de reproduzir bem o que sinto:
humanizo-a.
Quando,
há muito tempo, comecei a ser uma profissional de imprensa, tive uma
máquina Underwood semiportátil. Essa máquina eu amei mesmo: ela
durou tanto que aguentou eu escrever sete livros. Não esquecendo que
tirei cópias e cópias do que escrevi. E que um livro meu, por
exemplo, que deu em datiloscrito perto de 400 páginas, eu
copiei 11 vezes porque, para esclarecer a mim mesma o que quero
dizer, faço cópias e cópias. Ao final de sete livros, que valem 20
na máquina, esta começou a ter uma espécie de reumatismo. Comprei
então uma Olympia portátil. Essa escreveu cinco livros, fora todas
as muitas outras coisas que escrevi. Depois pareceu cansada e adoecia
de vez em quando, precisando de um mecânico para auxiliá-la a
continuar. Continuou bem mas me cansei de seu tipo pequeno demais.
Tive
depois uma Remington portátil mas fazia ao bater dos dedos um
barulho de lata-velha que me cansava. Troquei-a com Tati de Morais
por uma Olivetti que é uma beleza em matéria de som: abafado, leve,
discreto. Posso bater máquina à noite porque ela não acorda
ninguém. Não me ofende com um som agudo que outras máquinas têm.
Acho que de agora em diante só vou escrever nela. E se ela cansar,
compro outra igual. Como máquina é parecida com uma pessoa e às
vezes de puro cansaço enguiça, o ideal era comprar outra Olivetti
como máquina suplente porque não posso me dar ao luxo de parar de
escrever. Máquinas, qualquer uma, são um mistério para mim.
Respeito-lhes o mistério.
E
voltei, agora, não sei por quê, à velhinha Olympia portátil. Sou
volúvel em matéria de máquinas.
Clarice Lispector, in Crônicas para jovens: de escrita e vida
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