Na
manhã de um dia em que brumava e chuviscava, parecia não acontecer
coisa nenhuma. Estava-se perto do fogo familiar, na cozinha, aberta,
de alpendre, atrás da pequena casa. No campo, é bom; é assim.
Mamãe, ainda de roupão, mandava Maria Eva estrelar ovos com
torresmos e descascar os mamões maduros. Mamãe, a mais bela, a
melhor. Seus pés podiam calçar as chinelas de Pele. Seus cabelos
davam o louro silencioso. Suas meninas-dos-olhos brincavam com
bonecas. Ciganinha, Pele e Brejeirinha — elas brotavam num galho.
Só o Zito, este, era de fora; só primo. Meia-manhã chuvosa entre
verdes: o fúfio fino borrifo, e a gente fica quase presos, alojados,
na cozinha ou na casa, no centro de muitas lamas. Sempre se enxergam
o barranco, o galinheiro, o cajueiro grande de variados
entortamentos, um pedaço de um morro — e o longe. Nurka, negra,
dormia. Mamãe cuida com orgulhos e olhares as três meninas e o
menino. Da Brejeirinha, menor, muito mais. Porque Brejeirinha, às
vezes, formava muitas artes.
Nesta
hora, não. Brejeirinha se instituíra, um azougue de quieta, sentada
no caixote de batatas. Toda cruzadinha, traçadas as pernocas,
ocupava-se com a caixa de fósforos. A gente via Brejeirinha:
primeiro, os cabelos, compridos, lisos, louro-cobre; e, no meio
deles, coisicas diminutas: a carinha não-comprida, o perfilzinho
agudo, um narizinho que-carícia. Aos tantos, não parava,
andorinhava, espiava agora — o xixixi e o empapar-se da paisagem —
as pestanas til-til. Porém, disse-se-dizia ela, pouco se vê, pelos
entrefios: — “Tanto chove, que me gela!” Aí, esticou-se
para cima, dando com os pés em diversos objetos. — “Ui,
ui-te!” — rolara nos cachos de bananas, seu umbigo sempre
aparecendo. Pele ajudava-a a se endireitar. — “...E o cajueiro
ainda faz flores...” — acrescentou, observava da árvore não
se interromper mesmo assim, com essas aguaceirices, de durante dias,
a chuvinha no bruaar e a pálida manhã do céu. Mamãe dosava
açúcares e farinhas, para um bolo. Pele tentava ajudar, diligentil.
Ciganinha lia um livro; para ler ela não precisava virar página.
Ciganinha
e Zito nem muito um do outro se aproximavam, antes paravam meio
brigados, de da véspera, de uma briguinha grande e feia. Pele é que
era a morena, com notáveis olhos. Ciganinha, a menina linda no
mundo: retrato miúdo da Mamãe. Zito perpensava assuntos de não
ousar dizer, coisas de ciumoso, ele abrira-se à espécie de ciúmes
sem motivo de quê ou quem. Brejeirinha pulou, por pirueta. — “Eu
sei por que é que o ovo se parece com um espeto!” —; ela
vivia em álgebra. Mas não ia contar a ninguém. Brejeirinha é
assim, não de siso débil; seus segredos são sem acabar. Tem porém
infimículas inquietações: — “Eu hoje estou com a cabeça
muito quente...” — isto, por não querer estudar. Então,
ajunta: — “Eu vou saber geografia.” Ou: — “Eu
queria saber o amor...” Pele foi quem deu risada. Ciganinha e
Zito erguem olhos, só quase assustados. Quase, quase, se
entrefitaram, num não encontrar-se. Mas, Ciganinha, que se crê com
a razão, muxoxa. Zito, também, não quer durar mais brigado, viera
ao ponto de não agüentar. Se, à socapa, mirava Ciganinha, ela de
repente mais linda se envoava.
— “Sem
saber o amor, a gente pode ler os romances grandes?” —
Brejeirinha especulava. — “É, hem? Você não sabe ler nem o
catecismo...” Pele lambava-lhe um tico de desdém; mas Pele não
perdia de boazinha e beliscava em doce, sorria sempre na voz.
Brejeirinha rebica, picuíca: — “Engraçada!... Pois eu li as
35 palavras no rótulo da caixa de fósforos...” Por isso,
queria avançar afirmações, com superior modo e calor de expressão,
deduzidos de babinhas. — “Zito, tubarão é desvairado, ou é
explícito ou demagogo?” Porque gostava, poetista, de importar
desses sérios nomes, que lampejam longo clarão no escuro de nossa
ignorância. Zito não respondia, desesperado de repente,
controversioso-culposo, sonhava ir-se embora, teatral, debaixo de
chuva que chuva, ele estalava numa raiva. Mas Brejeirinha tinha o dom
de apreender as tenuidades: delas apropriava-se e refletia-as em si —
a coisa das coisas e a pessoa das pessoas. — “Zito, você
podia ser o pirata inglório marujo, num navio muito intacto, para
longe, lo-õ-onge no mar, navegante que o nunca-mais, de todos?”
Zito sorri, feito um ar forte. Ciganinha estremecera, e segurou com
mais dedos o livro, hesitada. Mamãe dera a Pele a terrina, para ela
bater os ovos.
Mas
Brejeirinha punha mão em rosto, agora ela mesma empolgada, não
detendo em si o jacto de contar: — “O Aldaz Navegante, que foi
descobrir os outros lugares valetudinário. Ele foi num navio,
também, falcatruas. Foi de sozinho. Os lugares eram longe, e o mar.
O Aldaz Navegante estava com saudade, antes, da mãe dele, dos
irmãos, do pai. Ele não chorava. Ele precisava respectivo de ir.
Disse: — “Vocês vão se
esquecer muito de mim?” O navio dele, chegou o dia de ir.
O Aldaz Navegante ficou batendo o lenço branco, extrínseco, dentro
do indo-se embora do navio. O navio foi saindo do perto para o longe,
mas o Aldaz Navegante não dava as costas para a gente, para trás. A
gente também inclusive batia os lenços brancos. Por fim, não tinha
mais navio para se ver, só tinha o resto de mar. Então, um pensou e
disse: — “Ele vai descobrir os lugares, que nós não vamos nunca
descobrir...” Então e então, outro disse: — “Ele
vai descobrir os lugares, depois ele nunca vai voltar...”
Então, mais, outro pensou, pensou, esférico, e disse: —
“Ele deve de ter, então, a alguma raiva de nós, dentro dele, sem
saber...” Então, todos choraram, muitíssimos, e
voltaram tristes para casa, para jantar...”
Pele
levantou a colher: — “Você é uma analfabetinha ‘aldaz’.”
— “Falsa a beatinha é tu!” — Brejeirinha se malcriou.
— “Por que você inventa essa história de de tolice, boba,
boba?” — e Ciganinha se feria em zanga. — “Porque
depois pode ficar bonito, uê!” Nurka latira. Mamãe também
estava brava? Porque Brejeirinha topara o pé em cafeteiras, e
outras. Disse ainda, reflexiva: — “Antes falar bobagens, que
calar besteiras...” Agora, fechou os olhos que verdes, solene
arrependida de seu desalinho de conduta. Só ouvirá o rumorejo da
chuvinha, que estarão fritando.
A
manhã é uma esponja. Decerto, porém, Pele rezara os dez responsos
a Santo Antônio, tãoquanto batia os ovos. Porque estourou manso o
milagre. O tempo temperou. Só era março — compondo suas chuvas
ordinárias. Ciganinha e Zito se suspiravam. Soltavam-se as galinhas
do galinheiro, e o peru. Saía-se, ao largo, Nurka. O céu tornava a
azul?
Mamãe
ia visitar a doente, a mulher do colono Zé Pavio. — “Ah, e
você vai conosco ou sem-nosco?” — Brejeirinha perguntava.
Mamãe, por não rir nem se dar de alheada, desferia chufas meigas: —
“Que nossa vergonha!...” — e a dela era uma voz de
vogais doçuras. A manhã se faz de flores. Então, pediu-se licença
de ir espiar o riachinho cheio. Mamãe deixava, elas não eram mais
meninas de agarra-a-saia. De impulso, se alegraram. Só que alguém
teria de junto ir, para não se esquecerem de não chegar perto das
águas perigosas. O rio, ali, é assaz. Se o Zito não seria,
próprio, essa pessoa de acompanhar, um meiozinho-homem, leal de
responsabilidades? Cessou-se a cerração do ar. Mas tinham de vestir
outras roupas quentes. — “Oh, as grogrolas!” Brejeirinha
de alegria ante todas, feliz como se, se, se: menina só ave. —
“Vão com Deus!” — Mamãe disse, profetisa, com aquela
voz voável. Ela falava, e choviam era bátegas de bênçãos. A
gentezinha separou-se.
A
ir lá, o caminho primeiro subia, subvexo, a ladeirinha do combro,
colinola. Tão mesmo assim, os dois guarda-chuvas. Num — avante —
Brejeirinha e Pele. Debaixo do outro, Zito e Ciganinha. Só os restos
da chuva, chuvinha se segredando. Nurka corria, negramente, e enfim
voltava, cachorra destapada ditosa. Se a gente se virava, via-se a
casa, branquinha com a lista verde-azul, a mais pequenina e linda, de
todas, todas. Zito dando o braço a Ciganinha, por vezes, muito, as
mãos se encontravam. Pele se crescia, elegante. E ágil ia
Brejeirinha, com seu casaquinho coleóptero. Ela andava
pés-para-dentro, feito um periquitinho, impávido.
No
transcenso da colineta, Zito e Ciganinha calavam-se, muito às
tortas, nos comovidos não-falares. Sim, já se estavam em pé de
paz, fazendo sua experiência de felicidade; para eles, o passeio era
um fato sentimental. Descia-se agora a outra ladeira, pegando
cuidado, pelo enlameável e escorregoso, poças, mas também para não
pisar no que Brejeirinha chamava de “o bovino” — altas
rodelas de esterco cogumeleiro. Ali, com efeito, andavam bois: “o
boi, beiçudo”; aí, Brejeirinha levou tombo. Ela disse que
Mamãe tinha dito que eles precisavam de ter: coragem com juízo.
Mas, isso, era mentirinhas. E, o que pois: — “Agora, já me
sujei, então agora posso não ter cuidado...” Correu, com
Nurka, pela encosta inferior, no verdinho pasto. Pele ainda ralhou: —
“Você vai buscar um audaz navegante?” Mas, mais. Entanto,
à úmida, à luz, o plano capim — e floriu-se: estendem-se,
entremunhadas, as margaridinhas, todas se rodeiam de pálpebras.
O
que se queria, aqui, era a pequena angra, onde o riachinho faz foz.
Abaixo, aos bons bambus, e às pedreiras de beira-rio, ouvindo o
ronco, o bufo d’água. Porque, o rio, grossoso, se descomporta, e o
riachinho porém também, seu estuário já feio cheio, refuso,
represado, encapelado — pororoqueja. — “Bochechudo!” —
grita-lhe Brejeirinha. Sumiu-se a última areiinha dele, sob baile de
um atoalhado de espumas, no belo despropositar-se, o bulir de bolhas.
Brejeirinha já olhou tudo de cor. Cravou varetas de bambu, marcando
pontos, para medir a água em se crescer, mudando de lugar. Porém, o
fervor daquilo impunha-lhe recordações, Brejeirinha não gostando
de mar: — “O mar não tem desenho. O vento não deixa. O
tamanho...” Lamentava-se de não ter trazido pão para os
peixes. — “Peixe, assim, a esta hora?” — Pele
duvidava. Divagava Brejeirinha: — “A cachoeirinha é uma
parede de água...” Falou que aquela, ali, no rio, em frente,
era a Ilhazinha dos Jacarés. — “Você já viu jacaré lá?”
— caçoava Pele. — “Não. Mas você também nunca viu o
jacaré-não-estar-lá. Você vê é a ilha, só. Então, o jacaré
pode estar ou não estar...” Mas, Brejeirinha, Nurka ao lado,
já vira tudo, em pé em volta, seu par de olhos passarinhos.
Demorava-se, aliás, o subir e alargar-se da água, com os mil-e-um
movimentos supérfluos.
A
gente se sentava, perto, não no chão nem em tronco caído, por
causa do chovido do molhado. Ciganinha e Zito, numa pedra, que dava
só para dois, podiam horas infinitas; apenas, conversando ainda
feito gente trivial. Pele saíra a colher um feixe de flores. Mais
não chuviscava. Brejeirinha já pulando de novo. Disse: que o dia
estava muito recitado. Voltava-se para a contramargem, das mais
verdes, e jogava pedras, o longe possível, para Nurka correndo ir
buscar. Depois, se acocora, de entreter-se, parece que já está até
calçada com um sapatinho só. Mas, sem se desagachar, logo gira nos
pezinhos, quer Ciganinha e Zito para ouvirem. Olha-os.
— “O
Aldaz Navegante não gostava de mar! Ele tinha assim mesmo de partir?
Ele amava uma moça, magra. Mas o mar veio, em vento, e levou o navio
dele, com ele dentro, escrutínio. O Aldaz Navegante não podia nada,
só o mar, danado de ao redor, preliminar. O Aldaz Navegante se
lembrava muito da moça. O amor é original...”
Ciganinha
e Zito sorriam. Riram juntos. — “Nossa! O assunto ainda não
parou?” — era Pele voltada, numa porção de flores se
escudando. Brejeirinha careteou um “ah!” e quis que
continuou: — “... Envém a tripulação... Então, não.
Depois, choveu, choveu. O mar se encheu, o esquema, amestrador... O
Aldaz Navegante não tinha caminho para correr e fugir, perante, e o
navio espedaçado. O navio parambolava... Ele, com o medo, intacto,
quase nem tinha tempo de tornar a pensar demais na moça que amava,
circunspectos. Ele só a prevaricar... O amor é singular...”
— “E
daí?”
— “A
moça estava paralela, lá, longe, sozinha, ficada, inclusive, eles
dois estavam nas duas pontinhas da saudade... O amor, isto é... O
Aldaz Navegante, o perigo era total, titular... não tinha
salvação... O Aldaz... O Aldaz...”
— “Sim.
E agora? E daí?” — Pele intimava-a.
— “Aí?
Então... então... Vou fazer explicação! Pronto. Então, ele
acendeu a luz do mar. E pronto. Ele estava combinado com o homem do
farol... Pronto. E...”
— “Na-ão.
Não vale! Não pode inventar personagem novo, no fim da estória,
fu! E — olha o seu ‘aldaz navegante’, ali. É aquele...”
Olhou-se.
Era: aquele — a coisa vacum, atamanhada, embatumada,
semi-ressequida, obra pastoril no chão de limugem, e às pontas dos
capins — chato, deixado. Sobre sua eminência, crescera um cogumelo
de haste fina e flexuosa, muito longa: o chapeuzinho branco, lá em
cima, petulante se bamboleava. O embate e orla da água, enchente, já
o atingiam, quase.
Brejeirinha
fez careta. Mas, nisso, o ramilhete de Pele se desmanchou, caindo no
chão umas flores. — “Ah! Pois é, é mesmo!” — e
Brejeirinha saltava e agia, rápida no valer-se das ocasiões.
Apanhara aquelas florinhas amarelas — josés-moleques, douradinhas
e margaridinhas — e veio espetá-las no concrôo do objeto. —
“Hoje não tem nenhuma flor azul?” — ainda indagou. A
risada foi de todos, Ciganinha e Zito bateram palmas. — “Pronto.
É o Aldaz Navegante...” — e Brejeirinha crivava-o de mais
coisas — folhas de bambu, raminhos, gravetos. Já aquela matéria,
o “bovino”, se transformava.
Deu-se,
aí, porém, longe rumor: um trovão arrasta seus trastes.
Brejeirinha teme demais os trovões. Vem para perto de Zito e
Ciganinha. E de Pele. Pele, a meiga. Que: — “Então? A estória
não vai mais? Mixou?”
— “Então,
pronto. Vou tornar a começar. O Aldaz Navegante, ele amava a moça,
recomeçado. Pronto. Ele, de repente, se envergonhou de ter medo, deu
um valor, desassustado. Deu um pulo onipotente... Agarrou, de longe,
a moça, em seus abraços... Então, pronto. O mar foi que se
aparvolhou-se. Arres! O Aldaz Navegante, pronto. Agora, acabou-se,
mesmo: eu escrevi — ‘Fim’!”
De
fato, a água já se acerca do “Aldaz Navegante”, seu
primeiro chofre golpeava-o. “Ele vai para o mar?” —
perguntava, ansiosa, Brejeirinha. Ficara muito de pé. Um ventinho
faz nela bilo-bilo — acarinha-lhe o rosto, os lábios, sim, e os
ouvidos, os cabelos. A chuva, longe, adiada.
Segredando-se,
Ciganinha e Zito se consideram, nas pontinhas da realidade. — “Hoje
está tão bonito, não é? Tudo, todos, tão bem, a gente alegre...
Eu gosto deste tempo...” E: — “Eu também, Zito. Você
vai voltar sempre aqui, muitas vezes?” E: — “Se Deus
quiser, eu venho...” E: — “Zito, você era capaz de
fazer como o Audaz Navegante? Ir descobrir os outros lugares?”
E: — “Ele foi, porque os outros lugares ainda são mais
bonitos, quem sabe?...” Eles se disseram, assim eles dois,
coisas grandes em palavras pequenas, ti a mim, me a ti, e tanto.
Contudo, e felizes, alguma outra coisa se agitava neles, confusa —
assim rosa-amor-espinhos-saudade.
Mas,
o “Aldaz Navegante”, agora a água se apressa, no vir e
ir, seu espumitar chega-lhe já re-em-redor, começando a ensopação.
Ei-lo circunavegável, conquanto em firme terrestreidade: o chão
ainda o amarrava de romper e partir. Brejeirinha aumenta-lhe os
adornos. Até Ciganinha e Zito pegam a ajudar. E Pele. Ele é outro,
colorido, estrambótico, folhas, flores. — “Ele vai descobrir
os outros lugares...” “— Não, Brejeirinha. Não brinca com
coisas sérias!” “— Uê? O quê?” Então, Ciganinha,
cismosa, propõe: — “Vamos mandar, por ele, um recado?”
Enviar, por ora, uma coisa, para o mar. Isso, todos querem. Zito põe
uma moeda. Ciganinha, um grampo. Pele, um chicle. Brejeirinha — um
cuspinho; é o “seu estilo”. E a estória? Haverá, ainda,
tempo para recontar a verdadeira estória? Pois:
— “Agora,
eu sei. O Aldaz Navegante não foi sozinho; pronto! Mas ele embarcou
com a moça que ele amavam-se, entraram no navio, estricto. E pronto.
O mar foi indo com eles, estético. Eles iam sem sozinhos, no navio,
que ficando cada vez mais bonito, mais bonito, o navio... pronto: e
virou vagalumes...”
Pronto.
O trovão, terrível, este em céus e terra, invencível. Carregou.
Brejeirinha e o trovão se engasgam. Ela iria cair num abismo
“intacto” — o vão do trovão? Nurka latiu, em seu
socorro. Ciganinha, e Pele e Zito, também, vêm para a amparar.
Antes, porém, outra, fada, inesperada, surgia, ali, de contraflor.
— “Mamãe!”
Deitou-se-lhe
ao pescoço. Mamãe aparava-lhe a cabecinha, como um esquilo pega uma
noz. Brejeirinha ri sem til. E, Pele:
— “Olha!
Agora! Lá se vai o ‘Aldaz Navegante’!”
— “Ei!”
— “Ah!”
O
Aldaz! Ele partia. Oscilado, só se dançandoando, espumas e águas o
levavam, ao Aldaz Navegante, para sempre, viabundo, abaixo, abaixo.
Suas folhagens, suas flores e o airoso cogumelo, comprido, que uma
gota orvalha, uma gotinha, que perluz — no pináculo de uma trampa
seca de vaca.
Brejeirinha
se comove também. No descomover-se, porém, é que diz: —
“Mamãe, agora eu sei, mais: que ovo só se parece, mesmo, é com
um espeto!”
De
novo, a chuva dá.
De
modo que se abriram, asados, os guarda-chuvas.
Guimarães Rosa, in Primeiras estórias
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