Eram
dez e meia da manhã quando o telefone tocou. Jon Pinchot.
– O
filme foi cancelado...
– Jon,
eu não acredito mais nessas histórias. É só o jeito deles fazerem
pressão.
– Não,
é verdade, o filme foi cancelado.
– Como
podem? Já investiram demais, ficariam com um enorme prejuízo no
projeto...
– Hank,
a Firepower simplesmente não tem mais grana. Não foi só nosso
filme que foi cancelado; todos os filmes foram cancelados. Fui ao
prédio deles hoje de manhã. Só tem os guardas de segurança. Não
tem NINGUÉM no prédio! Eu percorri ele todo, gritando: “Olá!
Olá! Tem alguém aí?”. Sem resposta. Todo o prédio está vazio.
– Mas,
Jon, e a cláusula do “Faça ou pague” de Jack Bledsoe?
– Não
podem fazer nem pagar. Todo o pessoal da Firepower, incluindo nós,
está sem salário. Alguns deles já vêm trabalhando há duas
semanas sem receber. Agora não tem dinheiro pra ninguém.
– Que
é que você vai fazer?
– Eu
não sei, Hank, isso parece o fim...
– Não
tome nenhuma medida precipitada, Jon. Será que outra empresa não
assume o filme?
– Não
farão isso. Ninguém gosta do argumento.
– Oh,
sim, está certo...
– Que
é que você vai fazer?
– Eu?
Eu vou às corridas. Mas se quiser aparecer para uns tragos esta
noite, eu teria prazer em ver você.
– Obrigado,
Hank, mas tenho um encontro com um casal de lésbicas.
– Boa
sorte.
– Boa
sorte pra você também.
Eu
dirigia pela autoestrada do Porto, em direção a Hollywood Park, ao
norte. Jogava nos cavalinhos há mais de trinta anos. Começara após
minha quase fatal hemorragia no Hospital Municipal de Los Angeles. Me
disseram que se tomasse outro trago estava morto.
– Que
é que vou fazer? – eu tinha perguntado a Jane.
– Sobre
o quê?
– Que
vou usar em lugar da bebida?
– Bem,
tem os cavalos.
– Cavalos?
Que é que a gente faz?
– Aposta
neles.
– Aposta
neles? Parece idiota.
Nós
fomos e ganhei uma bela soma. Comecei a ir diariamente. Depois, aos
poucos, recomecei a beber um pouco. Depois mais. E não morri. E aí
eu tinha a bebida e os cavalos. Um viciado completo. Naquele tempo
não havia corridas aos domingos, por isso eu ia com o velho carro
até Água Caliente e voltava no domingo, às vezes ficando para as
corridas de cachorros depois que as dos cavalos acabavam, e depois
atacando os bares de Caliente. Nunca fui assaltado ou agredido, e era
até tratado com bondade pelos garçons e fregueses mexicanos, mesmo
sendo às vezes o único gringo. A volta de carro, tarde da noite,
era legal, e quando chegava em casa eu não ligava se Jane estava lá
ou não. Dissera a ela que o México era perigoso demais para
mulheres. Geralmente ela não estava em casa quando eu chegava.
Estava num lugar muito mais perigoso: a Rua Alvarado. Mas contanto
que houvesse três ou quatro cervejas à minha espera, tudo bem. Se
ela tivesse bebido aquelas e deixado a geladeira vazia, então, sim,
estaria em verdadeiro apuro.
Quanto
aos cavalos, eu me tornei um verdadeiro estudioso do jogo. Tinha umas
duas dúzias de sistemas. Só funcionavam se não se aplicassem todos
ao mesmo tempo, porque se baseavam em fatores variáveis. Meus
sistemas tinham só um fator comum: o público deve sempre perder.
Precisava determinar qual era o jogo do público, e tentar o oposto.
Um
de meus sistemas baseava-se em números de índices e pós-posições.
Há certos números que o público reluta em pedir. Quando esses
números atingem uma certa quantidade de jogo no placar em relação
à sua posição, a gente tem um vencedor de alta porcentagem.
Estudando durante muitos anos os mapas de corridas no Canadá,
Estados Unidos e México, bolei um jogo vencedor baseado apenas
nesses indicadores. (O número do índice diz a pista e a corrida em
que o cavalo apareceu pela última vez.) O Racing Form publicava
grandes e gordos livros vermelhos de resultados, por 10 dólares. Eu
os lia e relia durante horas, durante semanas. Todos os resultados
têm um padrão. Se a gente o descobre, está com tudo. E pode mandar
o patrão tomar no cu. Eu mandara vários, apenas para ter de
encontrar outros. Sobretudo porque alterava ou trapaceava com meus
próprios sistemas. A fraqueza da natureza humana é mais uma coisa
que a gente precisa derrotar nas corridas.
Entrei
em Hollywood Park e fui para a área reservada. Um treinador de
cavalos que eu conhecia me dera um adesivo de
“Proprietário/Treinador” para o estacionamento, e também um
passe para o clube. Era um homem bom, que tinha como melhor
característica não ser escritor nem ator.
Entrei
no clube, peguei uma mesa e trabalhei nos meus números. Sempre fazia
isso primeiro, depois pagava um pau para ir ao Pavilhão Cary Grant.
Não tinha muita gente por lá, e a gente podia pensar melhor. Sobre
Cary Grant, há uma foto gigantesca dele pendurada no Pavilhão,
rindo. Usa uns óculos fora de moda e aquele seu sorriso. Frio. Mas
que jogador nos cavalinhos. Era um apostador de dois dólares. E
quando perdia corria para a pista gritando, acenando os braços e
berrando: “VOCÊS NÃO PODEM FAZER ISSO COMIGO!”. Se a gente vai
apostar apenas dois dólares, é melhor ficar em casa, pegar o
dinheiro e passá-lo de um bolso para outro.
Por
outro lado, minha maior aposta foi uma vitória de 20 dólares.
Ambição em excesso pode criar erros, porque as apostas muito
pesadas afetam os processos de pensamento. Mais duas coisas. Nunca
aposte no cavalo com a maior cotação resultante de sua última
corrida, e nunca aposte num grande fechador.
Meu
passeio até ali foi muito agradável, mas como sempre eu me
ressentia da espera de 30 minutos entre as corridas. Era demorada
demais. A gente sente a vida sendo reduzida à polpa pela inútil
perda de tempo. Quer dizer, a gente fica ali sentado na cadeira
ouvindo vozes que discutem quem vai ganhar e por quê. É realmente
nauseante. Às vezes a gente pensa que está num asilo de loucos. E
de certa forma está. Cada um daqueles babacas acha que sabe mais que
os outros, e lá estão todos juntos num mesmo lugar. E lá estava
eu, sentado no meio deles.
Eu
gostava era da ação real, aquele momento em que todos os nossos
cálculos saem corretos do alto-falante e a vida tem algum sentido,
algum ritmo e significado. Mas a espera entre as corridas era um
verdadeiro horror: ali sentado com uma humanidade murmurante,
tateante, que jamais iria aprender ou melhorar, só piorar com o
tempo. Sempre ameacei minha boa esposa Sarah de ficar em casa durante
os dias e escrever dezenas e dezenas de poemas imortais.
Assim,
consegui atravessar a tarde ali e voltei para casa, ganhador de pouco
mais de 100 dólares. Voltei de carro com a multidão trabalhadora.
Que bando formavam. Putos da vida, maus e quebrados. Com pressa de
chegar em casa pra trepar, se possível, pra ver TV, pra ir dormir
cedo a fim de fazer novamente a mesma coisa no dia seguinte.
Entrei
na estradinha de acesso à casa e Sarah lá estava, regando o jardim.
Era uma grande jardineira. E aguentava minhas insanidades. Dava-me
comida saudável, me cortava os cabelos e as unhas dos pés, e
geralmente me mantinha em marcha de várias formas.
Estacionei
o carro e fui ao jardim, dei-lhe um beijo de saudação.
– Ganhou?
– ela perguntou.
– É.
Claro. Um pouco.
– Ninguém
ligou – ela disse.
– Isso
é mau, isso tudo... – eu disse. – Você sabe, depois de Jon
ameaçar cortar o dedo e tudo mais. Sinto muito mesmo por ele.
– Talvez
devesse ter convidado ele esta noite.
– Eu
convidei, mas ele tinha compromisso.
– S&M?
– Não
sei. Um casal de lésbicas. Uma espécie de desafogo pra ele.
– Viu
as rosas?
– Vi,
estão sensacionais. Aquelas vermelhas, brancas e amarelas. Amarelo é
minha cor preferida. Me dá vontade de comer.
Sarah
encaminhou-se com a mangueira até a pia, fechou a água e entramos
em casa juntos. A vida não era muito ruim, às vezes.
Charles Bukowski, in Hollywood
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