Temos
um cão em casa, vindo não se sabe donde. Apareceu assim, sem mais,
como se andasse à procura de donos e finalmente os tivesse
encontrado. Não tem maneiras de vadio, é novinho e nota-se que foi
bem ensinado lá onde viveu antes. Assomou à porta da cozinha quando
almoçávamos, sem entrar, olhando apenas. Luís disse: “Está ali
um cão.” Movia levemente a cabeça a um lado e a outro, como só
sabem fazê-lo os cães: um verdadeiro tratado de sedução
disfarçada de humildade. Não sou entendido em bichos caninos,
sobretudo se pertencem a raças menos comuns, mas este tem todo o ar
de ser cruzamento de cão-d’água e fox-terrier. Se não aparecer
por aí o legítimo dono (outra hipótese é que o animal tenha sido
abandonado, como acontece tantas vezes neste tempo de férias), vamos
ter de levá-lo ao veterinário para que o examine, vacine e
classifique. E há que dar-lhe um nome: já sugeri Pepe, que, como se
sabe, é diminutivo espanhol de José... Amanhã será lavado e
espulgado. Ladra baixinho, por enquanto, como quem não quer
incomodar, mas parece ter ideias claras quanto às suas intenções:
a minha casa é esta, daqui não saio.
José Saramago, in Cadernos de Lanzarote
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