Desde
o Planet Hemp, que ajudou a criar em 1993, Marcelo D2 vinha fazendo
uma mistura certeira de rap e punk rock com forte sotaque carioca e
uma incendiária mensagem pela liberação da maconha, com grande
sucesso popular e algumas prisões.
Mas
foi em seu segundo disco solo, À procura da batida perfeita,
lançado em 2003, que o MC carioca Marcelo Maldonado Peixoto (1967)
deu seu pulo do gato. A canção-título é uma espécie de carta de
intenções da nova vertente em que ele passou a investir, fundindo
rap com samba e outros ritmos brasileiros.
Sigla
em inglês para “ritmo e poesia”, o rap nasceu na periferia de
Nova York em fins dos anos 1970 e se espalhou como rastilho de
pólvora pelos grandes centros urbanos do mundo. Embora Jair
Rodrigues tenha gravado, ainda nos anos 1960, o samba-rap “Deixa
isso prá lá”, no Brasil, os primeiros representantes autênticos
surgiram em São Paulo, nos anos 1980, como a dupla Thaíde e DJ Hum
e depois os radicais Racionais MC’s.
Mas
foi com a malandragem e o balanço cariocas de Marcelo D2 que o
gênero ganhou sonoridade e sotaque diferenciado e se espalhou pelo
Brasil. Enquanto o rap paulista era mais pesado e agressivo, o
carioca era mais leve e suingado e com uma temática libertária e
hedonista de sexo e drogas. Os sinais disso já estavam em seu
primeiro álbum solo, Eu tiro é onda (1998), em que usou
samples de gravações brasileiras, incluindo a de Baden Powell para
“Canto de Ossanha”, mas foi em “À procura da batida perfeita”
que D2 acertou na alquimia.
Composta
em parceria com o tecladista e produtor Davi Corcos (1977), a música
usa como base uma gravação de Luiz Bonfá, “Bonfa nova”, com D2
explorando as semelhanças entre o canto-fala de MCs e de
partideiros, o scratch funcionando como uma cuíca e o peso e a
cadência do bumbo valorizando tanto o rap como o samba. Sem ligar
para as cobranças de puristas do samba e do rap, criou seu “chiclete
com banana” do terceiro milênio, saudando “os arquitetos da
música brasileira” e apontando um novo caminho para o rap
nacional.
A
pergunta sem resposta é: por que, com a riqueza rítmica da música
brasileira e a tradição do partido-alto e dos cantadores
nordestinos, demorou tanto a aparecer um rap com base rítmica
brasileira?
Após
o lançamento de “À procura da batida perfeita”, herdeiros de
Luiz Bonfá ameaçaram abrir um processo de plágio, mas não foram
em frente. Além da cada vez mais controversa questão de autoria na
era dos samples, nessa música a discussão prometia render muito
mais. Afinal, a melodia de “Bonfa nova” lembra muito a de
“Saudade fez um samba”, de Carlos Lyra e Ronaldo Bôscoli,
lançada por João Gilberto em seu primeiro LP, em 1959, enquanto a
de Bonfá saiu num disco que o violonista fez em 1962, o LP Brazil’s
King of Bossa Nova and Guitar.
Nelson Motta, in 101 canções que tocaram o Brasil
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