O
cara não apareceu para matar Jon na primeira noite. Na segunda, Jon
tinha uma arma e esperou. O cara não apareceu. Às vezes aparecem,
às vezes não.
Enquanto
isso, Francine Bowers havia-se recuperado de sua operação.
– Cinquenta
dólares por dia, mais quarto e comida, é só o que posso dar a ela
– disse Friedman a Jon.
Discutiram
um pouco sobre o pagamento da vinda dela de avião, da Califórnia,
mas a Firepower finalmente concordou em pagar.
Eu
devia ser pago no primeiro dia de filmagem, e também Jon, mas nada
aconteceu. A Firepower devia pagar a Jon e ele me pagar. Não houvera
nada. Eu não tinha ideia se as outras pessoas da equipe estavam
recebendo.
Talvez
tenha sido por isso que decidi ir à Festa dos Distribuidores. Podia
perguntar a Friedman onde andava meu dinheiro.
A
festa foi numa sexta-feira à noite, no Lemon Duck, um lugar enorme e
escuro, com um grande balcão de bar e muitas mesas. Quando Sarah e
eu chegamos, a maioria das mesas já estava ocupada. Eram
distribuidores do mundo todo. Pareciam calmos e quase entediados.
Comiam ou faziam seus pedidos, sem falar muito, sem beber muito.
Encontramos uma mesa num canto.
Jon
Pinchot apareceu e nos localizou imediatamente. Veio até a nossa
mesa, sorrindo.
– É
uma surpresa encontrar vocês aqui. As festas de distribuidores são
horríveis... A propósito, eu tenho uma coisa...
Trazia
o argumento num envelope azul e abriu-o.
– Esta
cena aqui, a gente precisa reduzir um minuto e meio. Pode fazer isso?
– Claro.
Mas escuta, pode arranjar uns drinques pra mim e Sarah?
– É
claro...
– Jon
tem razão – disse Sarah –, esta festa não parece muito animada.
– Talvez
a gente possa acrescentar alguma coisa a ela – eu disse.
– Jon,
não temos de ser sempre os últimos a sair da festa.
– Mas,
de algum modo, sempre somos...
Comecei
a riscar diálogos. Meus personagens falavam demais. Todo mundo
falava demais.
Jon
voltava com os drinques.
– Como
vai indo?
– Meus
personagens falam demais...
– E
bebem demais também...
– Não,
jamais bebem demais. Jamais será o bastante...
Ouviram-se
aplausos.
– É
Friedman – disse Sarah.
Lá
vinha ele num terno velho, sem gravata, faltando o botão de cima da
camisa, a camisa amassada. Friedman pensava em outras coisas além de
dinheiro. Mas tinha um sorriso fascinante e os olhos olhavam direto
as pessoas, como se ele as submetesse a raios x. Viera do inferno e
ainda estava no inferno, e poria a gente no inferno se a gente lhe
desse a mínima chance. Saiu de mesa em mesa, largando frasezinhas
pequenas e precisas.
Veio
até a nossa. Fez uma observação sobre a bela aparência de Sarah.
– Veja
– apontei o argumento sobre a mesa –, o filho da puta do Pinchot
me faz TRABALHAR durante esta festa!
– ÓTIMO
– disse Friedman, e voltou-se e encaminhou-se para outra mesa.
Acabei
os cortes e entreguei o argumento a Jon. Ele leu-o.
– Está
ótimo – disse. – Nada importante ficou de fora, e acho que a
leitura é a mesma.
– Talvez
melhor.
Ouviram-se
mais aplausos. Francine Bowers fazia sua entrada. Não era muito
velha, mas pertencia à velha escola. Parou muito ereta (ereta como
uma rainha), mexendo a cabeça lentamente para um lado e para outro,
sorrindo, depois deixando de sorrir, depois sorrindo de novo. Hesitou
e ficou ali parada. Permaneceu como uma estátua por dez segundos,
depois avançou graciosamente pelo salão adentro. Isso valeu-lhe
mais aplausos. Alguns flashes espocaram. Aí ela relaxou. Parava em
algumas mesas para uma ou duas palavrinhas, depois ia em frente.
Nossa,
pensei, e o escritor? O escritor era o sangue, os ossos e o cérebro
(ou a falta do mesmo) daquelas criaturas. O escritor fazia bater seus
corações, dava-lhes palavras para falar, fazia-os viver ou morrer,
o que quisesse. E onde estava o escritor? Quem jamais fotografava o
escritor? Quem aplaudia? Mas era melhor assim, porra: o escritor
estava no seu lugar: num canto escuro, observando.
E
aí, vejam só! Francine Bowers se aproximou da nossa mesa. Sorriu
para Sarah e Jon, e falou comigo:
– Escreveu
aquela cena das pernas pra mim?
– Francine,
está lá. Vai ter de fazer elas brilharem.
– Você
vai ver. Minhas pernas são sensacionais!
– Eu
certamente espero que sim.
Ela
se curvou para mim por sobre a mesa, deu seu belo sorriso, os olhos
brilharam acima dos famosos pômulos altos.
– Não
se preocupe.
– Preciso
falar uma coisa com Friedman – disse Jon.
– É
– eu disse –, pergunte a ele sobre o pagamento.
Sarah
e eu continuamos sentados a estudar a multidão. Ela era boa em
festas. Indicava-me pessoas, falava-me delas. Eu via coisas que
jamais teria notado. Punha a humanidade numa escala muito baixa, e
preferia não tomar conhecimento dela. Mas Sarah a tornava um pouco
mais interessante, o que eu agradecia.
A
noite esvaía-se, e como sempre Sarah e eu não pedimos comida
alguma. Comer era trabalho duro, e após dois ou três drinques a
comida tornava-se insípida. Estranho como o vinho se tornava mais
cálido e mais gostoso. Então, surgindo do nada, lá estava Jon
Pinchot.
– Olha
– disse –, lá está um dos advogados de Friedman.
– Ótimo
– eu disse. – Vou lá. Por favor, vem comigo, Sarah...
Aproximamo-nos
e sentamo-nos. O advogado já estava bem mamado. Tinha ao lado uma
dona loura muito alta. Ela sentava-se rígida, como congelada. Tinha
um pescoço longo, que se esticava muito, também rígido. Era
doloroso olhá-la. Parecia congelada.
O
advogado nos conhecia.
– Ah,
Chinaski – disse –, e Sarah...
– Oi
– disse Sarah.
– Oi
– disse eu.
Dissemos
oi a Helga. Ela não respondeu. Estava congelada, sentada ereta na
cadeira.
O
advogado acenou pedindo alguns drinques. Apareceram duas garrafas. O
negócio parecia bom. O advogado, Tommy Henderson, serviu.
– Aposto
que você não gosta de advogados – disse.
– Como
grupo, não.
– Bem,
eu sou um advogado às direitas, não sou nenhum escroque. Acha que
porque eu trabalho pro Friedman estou a fim de foder todo mundo?
– Acho.
– Bem,
não estou…
Tommy
emborcou seu copo de vinho, serviu outro. Eu enxuguei o meu.
– Vá
com calma, Hank – disse Sarah –, a gente tem de voltar dirigindo.
– Se
eu ficar muito ruim a gente toma um táxi na volta. O advogado paga.
– Certo,
eu pago...
– Bem,
nesse caso... – Sarah virou seu copo de vez.
A
dona alta e congelada continuava congelada. Era doloroso olhá-la.
Tinha o pescoço tão longo e esticado que as veias saltavam –
veias longas, duras e doloridas. Realmente terrível.
– Minha
esposa – disse o advogado – deixou de beber.
– Oh,
estou vendo... – eu disse.
– Bom
pra você – disse Sarah –, isso exige coragem, especialmente com
pessoas bebendo em volta.
– Eu
não poderia fazer isso – eu disse. – A pior coisa do mundo é
ficar sóbrio no meio de um bando de bêbados idiotas.
– Eu
acordei sozinha e nua uma manhã, às cinco horas, nas areias de
Malibu. Foi o basta pra mim.
– Bom
pra você – eu disse. – É preciso raça pra cortar assim.
– Não
deixe ninguém te influenciar para o contrário – disse Sarah.
O
advogado, Tommy Henderson, serviu novas doses para si mesmo, para
Sarah e para mim.
– Chinaski
não gosta de mim – disse à sua esposa Helga. – Me acha um
escroque.
– Não
censuro ele – disse Helga.
– Oh,
ééé, ééé? – disse o advogado. Virou a maior parte de sua
bebida e me olhou. Fitou-me intensamente.
– Você
acha que eu sou um escroque?
– Bem
– eu disse –, eu disse provavelmente...
– Acha
que não vamos te pagar?
– É
o que estou sentindo…
– Bem,
escute, eu li a maioria de seus livros, que acha disso? Acho você um
grande escritor. Quase tão bom quanto Updike.
– Obrigado.
– E,
escute só isso, essa manhã eu pus todos os cheques no correio.
Vocês vão receber. Vão receber seu dinheiro na próxima
correspondência.
– É
verdade – disse Helga. – Eu vi ele pôr os cheques no correio.
– Sensacional
– eu disse. – Sabe, é apenas o devido...
– Claro
que é devido. A gente quer ser justo. Tivemos um problema de fluxo
de caixa. Agora está resolvido.
– Vai
ser um bom filme – eu disse.
– Eu
sei. Li o argumento – disse Tommy. – Agora, está se sentindo
melhor sobre tudo isso?
– Diabos,
sim.
– Ainda
me acha um escroque?
– Bem,
não, não posso.
– Vamos
beber a isso! – disse Tommy.
Encheu
os copos e os levantamos num brinde. Quer dizer, Tommy, Sarah e eu.
– A
um mundo honesto – eu disse.
Tocamos
os copos e bebemos de vez.
Notei
que as veias no pescoço de Helga saltavam mais que nunca. Apesar
disso, continuamos bebendo.
Conversamos
bobagens. Grande parte era sobre a bravura de Helga.
Fomos
os últimos a sair. Quer dizer, Helga, Tommy, Sarah e eu. Os dois
últimos garçons lançaram-nos olhares muito feios quando saímos.
Mas Sarah e eu estávamos acostumados a isso. E, com a máxima
probabilidade, Tommy também. Helga encaminhou-se conosco para a
saída, ainda rígida e sofredora. Bem, não ia ter ressaca pela
manhã. Então, seria a nossa vez.
Charles Bukowski, in Hollywood
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