I
E
chega a hora negra de estudar.
Hora
de viajar
rumo
à sabedoria do colégio.
Além,
muito além de mato e serra,
fica
o internato sem doçura.
Risos
perguntando, maliciosos
no
pátio de recreio, imprevisível.
O
colchão diferente.
O
despertar em série (nunca mais
acordo
individualmente, soberano).
A
fisionomia indecifrável
dos
padres professores.
Até
o céu diferente: céu de exílio.
Eu
sei, que nunca vi, e tenho medo.
Vou
dobrar-me
à
regra nova de viver.
Ser
outro que não eu, até agora
musicalmente
agasalhado
na
voz de minha mãe, que cura doenças,
escorado
no
bronze de meu pai, que afasta os raios.
Ou
vou ser — talvez isso — apenas eu
unicamente
eu, a revelar-me
na
sozinha aventura em terra estranha?
Agora
me retalha
o
canivete desta descoberta:
eu
não quero ser eu, prefiro continuar
objeto
de família.
II
A
“condução” me espera:
o
cavalo arreado, o alforje
da
matalotagem,
o
burrinho de carga,
o
camarada-escudeiro, que irá
na
retaguarda,
meu
pai-imperador, o Abre-Caminho.
Os
olhos se despedem da paisagem
que
não me retribui.
A
casa, a própria casa me ignora.
Nenhuma
xícara ou porta me deseja
boa
viagem.
Só
o lenço de minha mãe fala comigo
e
já se recolheu.
III
São
oito léguas compridas
no
universo sem estradas.
São
morros de não acaba
e
trilhas de tropa lenta
a
nos barrar a passagem.
Pequenos
rios de barro
sem
iaras, sem canoas
e
uns solitários coqueiros
vigiando
mortas casas
de
falecidas fazendas.
Ou
são mergulhos na lama
de
patas que não têm pressa
de
chegar a Santa Bárbara.
Quando
termina a viagem,
se
por acaso termina,
pois
vai sempre se adiando
o
pouso que o pai promete
a
consolar o menino?
Que
imenso país é este
das
Minas fora do mapa
contido
no meu caderno?
Que
Minas sem fim nem traço
de
resmungo entre raríssimos
roceiros
que apenas roçam
mão
na aba do chapéu
em
saudação de passante?
O
cavalgar inexperto
martiriza
o corpo exausto.
Se
bem que macia a seda,
deixa
o traseiro esfolado.
Até
que afinal, hosana!
apeando
em São Gonçalo
diante
da suspirada
venda
de Augusto Pessoa,
meu
pai, descansando, estende-me
o
copo quente e divino
de
uma cerveja Fidalga.
Bebi.
Bebemos. Avante.
IV
Tenho
que assimilar a singularidade
do
trem de ferro.
Sua
bufante locomotiva, seus estertores,
seus
rangidos, a angustiante
ou
festiva mensagem do seu apito.
Ah,
seus assentos conjugados de palhinha
sobre
o estofo.
Nunca
viajei em bloco, a vida
começa
a complicar-se.
Novidade
intrigante, o sabonete
preso
na corrente.
Minha
terra era livre, e meu quarto infinito.
Carlos Drummond de Andrade, in Boitempo – Esquecer para lembrar
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