Não
é por causa de amarras, de juras, muito menos de cadeados. Não é
porque eu precise acreditar que é eterno ou que a gente tenha que
ser passado, presente e futuro incondicional. Não.
Eu
quero você por muito tempo, mas não por esse lance de “pra
sempre”. Isso não tem a minha cara, já li mais Bauman do que
contos de fadas. Duração imposta por promessas de amor eterno não
me soa como caminho feliz, mas como uma chegada obrigatória num
lugar completamente sem sentido.
Quando
penso na gente, o que eu quero é mais tempo. Horas que durem mais,
noites que não acabem, manhãs que não sejam interrompidas pela
hora do almoço, primaveras que demorem para virar verão, verão que
não veja folhas antecipadas de outono.
Quero
mais tempo porque ainda preciso fazer muita coisa com você.
Sim,
a gente já caminhou bastante. Já correu para não perder o ônibus,
para não perder o voo, para não se perder de vista. Já descobriu o
restaurante da rua de trás, o brinquedo do Kinder Ovo, uma ou outra
mentira, tudo bem. Já tomou uns porres, café da manhã na padaria,
tomou coragem pra dizer tanta coisa.
Mas ainda falta… Falta muito.
Falta tanto.
Ainda
falta a gente achar uma árvore de pitanga bem carregada e competir
quem cospe o caroço mais longe.
Também
falta o pé de amora, pra manchar a sola do sapato e virar história.
Falta
te mostrar aquele lugarzinho da minha infância para o qual
provavelmente você nem vai ligar muito, mas eu quero mostrar mesmo
assim.
Falta
estar passeando numa tarde quente e cair um pé-d’água para a
gente tomar banho de chuva enquanto um músico de rua toca Lenine
debaixo de um toldo verde.
Falta
pegar tatu-bola pretinho de jardim e dar peteleco pra ficar redondo.
Falta
a gente entender bastante de vinho (ou pelo menos conseguir fingir
melhor que entende) e juntar dinheiro para desbravar vinícolas
ensolaradas que nem nos filmes.
Falta
você fazer aquela carne de porco que cozinha 14 horas que você
sempre diz que vai fazer, mas no fim só sai ovo mexido.
Falta
um monte de temporadas de um monte de séries.
Falta
descer gramado sentado em caixa de papelão.
Falta
a gente comprar o mesmo livro, ler na beira da piscina tomando um
drink mais bonito do que gostoso e, no fim, discutir impressões não
muito profundas sobre o enredo.
Falta
você aceitar a ideia de que eu canto muito bem, você que ainda não
soube ouvir com bastante atenção.
Falta
o frango com molho de cerveja da minha avó.
Falta
você me flagrar dormindo numa tarde de domingo, enquanto um último
feixe de sol ilumina meu rosto e o vizinho de cima colocar Stevie
Wonder para cantar e te fazer, em silêncio, encostado no batente da
porta, me achar tão lovely, tão wonderful, tão
precious.
Talvez
ainda falte um juiz de paz, um bom marceneiro, um fiador, um
obstetra, um empréstimo do banco. Não sei, esses últimos são
hipóteses. Todo o resto é certeza. Principalmente o tatu-bola e o
feixe de sol.
Eu
quero você por muito tempo, por um milhão de momentos, por dias e
mais dias. Talvez isso seja menos que pra sempre. Ou talvez seja bem
mais. Mas é a certeza que posso te dar: eu quero que você fique.
Vê
se fica, tá?
Fica
porque ainda falta muita coisa.
Ruth Manus, in Um dia ainda vamos rir de tudo isso
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